Hoje, a única unidade prisional destinada à recepção de grávidas e lactantes em território mineiro, o Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade, em Vespasiano, na região metropolitana de Belo Horizonte, concentra 13 mulheres à espera de seus bebês e outras nove que estão amamentando.
A determinação da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) prevê que crianças permaneçam com suas mães nos primeiros 12 meses após o nascimento. A separação ocorre no dia seguinte à comemoração do primeiro aniversário – a mulher é transferida para um presídio comum, e o bebê segue para a guarda de um parente selecionado pela Vara da Infância e da Juventude ou para um abrigo institucional.
O desespero pelo iminente rompimento do laço entre mãe e filho começa logo após o parto, quando se inicia a contagem regressiva para a separação. A angústia, contudo, poderia ser eliminada se fosse respeitada a recomendação do Supremo Tribunal Federal (STF), como avalia o defensor público em Vespasiano, Leonardo Bicalho.
“Foi concedido, em 2018, um habeas corpus coletivo que determinou a conversão em prisão domiciliar para todas as mulheres com filhos de até 12 anos ou gestantes que estivessem presas provisoriamente. Entretanto, juízes de algumas comarcas são resistentes em conceder essa prisão domiciliar, seja em razão da gravidade do crime ou da reincidência, por exemplo. Mas trata-se de uma inobservância da determinação do STF”, reforça Bicalho.
“Foi a pior cena que já vi na vida”, diz ex-detenta
A separação entre mães e bebês em Minas Gerais, quando concluídos os primeiros 12 meses da criança, é, para a ex-detenta Larissa Costa, 23, a etapa mais agressiva do encarceramento de grávidas e lactantes.
“É a pior cena que eu já vi na vida. Primeiro, a mãe entrega a criança e depois segue para o isolamento, onde espera, sozinha, ser transferida para um presídio comum. Essa menina que conhecia lá dentro entregou o filho para a mãe dela e, quando foi guardar as coisas, sentiu o peito ‘empedrar’ pelo leite, porque lá a gente amamenta até entregar o bebê. A gente via ela chorando, massageando o peito para aliviar a dor. Ela sofreu muito, e nós imaginávamos como seria quando chegasse a vez de cada uma de nós. Ninguém quer ficar longe do filho”, relembra.
Presa por tráfico de drogas, Larissa conseguiu deixar a prisão antes de a pequena Victória Raquel completar 1 ano. Hoje, a criança tem 1 ano e 7 meses e sofre com terrores noturnos, que ela atrela à passagem pelo Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade. “Aquilo não é lugar (para passar a gestação). A gravidez é triste na cadeia”, conclui a jovem.
Impacto para crianças é desastroso
O encarceramento de mães e as repercussões negativas na criação de suas crianças e adolescentes são endossados pela advogada Nana Oliveira, fundadora da Assessoria Popular Maria Felipa. Segundo ela, o poder judiciário não avalia os impactos da prisão de uma mulher quando decide por mantê-la em cárcere provisoriamente.
“Prender sem sentença condenatória teria que ser a exceção da exceção, como a lei diz. Entretanto, não é o que ocorre no mundo real. A prisão de uma mulher grávida ou com filhos menores de 12 anos gera repercussões para além dela e do crime pelo qual ela é acusada. Estamos falando sobre crianças e adolescentes apartados de suas mães, à própria sorte. O Estado teria que promover uma estrutura para garantir a segurança deles”.
Após a prisão, segundo entende Nana, são cometidas infrações a direitos básicos dessas mulheres, de suas famílias e dos filhos delas.
“As crianças são entregues a algum parente. Essas mulheres, depois, transferidas para unidades prisionais que, muitas vezes, a família sequer sabe onde é. São meses até que seja feito o cadastro para visitação… O Estado é muito eficiente para prender. Mas, para soltar, para garantir os direitos enquanto se está preso, a ineficiência é gritante”, pondera.
Situação em Minas
À contramão da resolução do Supremo Tribunal Federal (STF) que prevê a conversão de prisões preventivas em domiciliares para gestantes e mães com crianças de até 12 anos, Minas Gerais detém hoje uma das maiores populações carcerárias de grávidas e lactantes do Brasil.
A constatação foi feita por uma sondagem inédita feita por O TEMPO, entre fevereiro e março deste ano, junto às secretarias de segurança pública e aos departamentos penitenciários das 26 unidades da Federação.
Dezoito responderam com dados à reportagem, exceto os Estados do Amapá, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Pará, Piauí, Rio Grande do Sul, Roraima e São Paulo.
O Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), com estatísticas coletadas em âmbito nacional no segundo semestre de 2019, indicou a existência de 501 mulheres grávidas e lactantes encarceradas em prisões brasileiras – 276 gestantes, e 225 amamentando.
À época, São Paulo apareceu como o Estado com maior população carcerária de grávidas e lactantes, com 177 mulheres detidas. Minas Gerais ocupava a segunda posição, com 48.
Unidade em Vespasiano teve surto de Covid-19
Em março passado, o Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade registrou um surto de coronavírus. Quinze entre as 20 internas que ali cumpriam penas ou aguardam julgamento, na época, foram diagnosticadas com a Covid-19 no presídio. Cinco bebês menores de um ano de idade, entre os seis que estavam acautelados naquele mês, igualmente adoeceram.
A advogada criminalista Nana Oliveira, da Assessoria Popular Maria Felipa, endossa que as condições sanitárias da unidade penitenciária impedem que surtos sejam evitados.
“Demorou para acontecer, na minha opinião, porque as mulheres continuaram sendo presas em meio à pandemia, e eram levadas para lá (Centro). Por mais que você seja cuidadoso, os alojamentos são coletivos, até porque não dá para manter uma mulher grávida sozinha e isolada. É um momento de hipersensibilidade para ela, você não poderia isolá-las por período indeterminado”, defende.