No futebol brasileiro é assim: basta uma equipe perder três jogos seguidos para os técnicos serem ameaçados de demissão, seja por pressão de dirigentes ou insatisfação de torcedores. Contudo, Mano Menezes e Enderson Moreira, que comandam respectivamente Cruzeiro e América, contrariaram a “cultura” do futebol no país. Eles chegaram aos clubes em julho de 2016 – substituindo os portugueses Paulo Bento e Sérgio Vieira – e são os mais longevos da Série A. O clássico de domingo, às 17h, no Mineirão, pela quinta rodada do Estadual, colocará frente a frente dois trabalhos sólidos e de bons resultados. Os times somam 10 pontos, mas a Raposa leva vantagem no saldo de gols (7 a 4) e por isso lidera o Campeonato Mineiro.
Nem tudo foi flores para os técnicos nesse intervalo de quase 600 dias. Enderson, o mais longevo, foi anunciado pelo América em 20 de julho de 2016. A missão era bastante espinhosa, pois o time ocupava a lanterna do
Campeonato Brasileiro, com apenas oito pontos em 15 partidas (17,7% de aproveitamento). E o treinador teria de conhecer em pouquíssimo tempo um grupo que não tinha sido montado por ele. Ainda assim, Enderson conseguiu resultados mais honrosos que os antecessores Sérgio Vieira e Givanildo Oliveira. Em 23 partidas no Brasileiro, obteve cinco vitórias, cinco empates e 13 derrotas. Havia a promessa por parte da direção do Coelho de que o trabalho teria continuidade em 2018. Ou seja, a lanterna na Série A – com 28 pontos em 114 possíveis – não modificou a rota de planejamento do clube.
Em 2017, Enderson Moreira formou a equipe em parceria com o diretor de futebol Ricardo Drubscky, a comissão técnica e o conselho de
administração. Algumas revelações ganharam espaço, casos do zagueiro Messias, do volante Zé Ricardo e do meia Matheusinho. Eles receberam o suporte dos experientes Rafael Lima (zagueiro), Gérson Magrão (meia), Luan (atacante) e Bill (atacante). No Campeonato Mineiro, o Coelho foi eliminado nas semifinais pelo Cruzeiro. Na Copa do
Brasil, teve a infelicidade de sair nos pênaltis para o modesto Murici-AL, na segunda fase. Já na Série B, o time manteve a regularidade e se sagrou campeão, com 73 pontos, desbancando o poderoso
Internacional. De quebra, teve a defesa menos vazada (25 gols sofridos) e encerrou a competição com 11 partidas de invencibilidade (sete vitórias e quatro empates). A coletividade do elenco era tão grande que 14 jogadores distintos balançaram a rede na Segunda Divisão: Bill (9); Luan (8); Ruy (6); Renan Oliveira (5), Rafael Lima (4), Ernandes (2), Giovanni (2), Edno (2), Matheusinho (2), Messias (1), Neto Moura (1), Pará (1), Hugo Almeida (1) e Norberto (1).
O título da Série B foi bastante festejado pelos americanos na vitória por 1 a 0 sobre o CRB, em 25 de novembro de 2017, no Independência. O público divulgado foi de 22.481 presentes. Mas o que poucos sabem é da “quase demissão” de Enderson Moreira, ainda no princípio da competição. O América começara o campeonato com resultados apenas razoáveis. Em oito rodadas, tinha duas vitórias, quatro empates e duas derrotas. Eis que o comandante recebeu um comunicado de que o jogo contra o Santa Cruz, em 20 de julho, no Horto, seria fundamental para sua permanência. Matheusinho, aos 34min do segundo tempo, fez o gol salvador. Ali foi a arrancada para a
briga pelo título.
Mano Menezes também passou por provas duras. Em 26 de julho de 2016, aceitou o convite do Cruzeiro, que demitira Paulo Bento em função dos maus resultados, e conduziu um bom trabalho para manter o time na elite nacional. O gaúcho assumiu o comando na 17ª rodada da Série A, quando a equipe estava em penúltimo lugar, com 15 pontos. Nos 22 duelos restantes, Mano contabilizou 36 pontos (54,54%) e deixou a Raposa na 12ª posição, além de alcançar as semifinais da Copa do Brasil (perdeu para o Grêmio, que viria a ser campeão).
Já em 2017, com a condição de coordenar trabalhos de pré-temporada, Mano Menezes emplacou 22 partidas de invencibilidade (17 vitórias e cinco empates), mas viu sua equipe ser derrotada em momentos cruciais no primeiro semestre. No Mineiro, o
Atlético ficou com o título ao ganhar no Independência por 2 a 1, em 7 de maio, depois de empate sem gols no Mineirão, uma semana antes. No dia 10, foi a vez de o Nacional-PAR frustrar o sonho do Cruzeiro de conquistar a Copa Sul-Americana. Nos pênaltis, os paraguaios ganharam por 3 a 2 e seguiram na competição. Nos bastidores da Raposa, houve quem fosse favorável à demissão de Mano, mas o presidente Gilvan de Pinho Tavares apostou na continuidade do trabalho, até por não ter profissionais à altura disponíveis para substituí-lo.
Na Copa do Brasil, o Cruzeiro deu a resposta. Após passar com tranquilidade por Volta Redonda (primeira fase), São Francisco-PA (segunda fase) e Murici-AL (terceira fase), o time celeste travou duelos emocionantes com
São Paulo (quarta fase),
Chapecoense (oitavas de final), Palmeiras (quartas de final) e Grêmio (semifinal) e deixou para trás todos os oponentes. Na decisão, mais dose de drama e tensão. Sem a validade do gol qualificado como visitante, Raposa e Flamengo foram para os pênaltis em virtude dos empates por 1 a 1, no Maracanã, e 0 a 0, no Mineirão. Os mais de 61 mil espectadores no Gigante da Pampulha assistiram ao triunfo cruzeirense nos pênaltis, por 5 a 3, com direito a defesa do goleiro Fábio na cobrança de Diego, craque do Fla. O pentacampeonato da competição valeu o passaporte para a Copa Libertadores de 2018, na qual o Cruzeiro estreará em 27 de fevereiro (terça-feira), às 21h30, contra o Racing-ARG, em Avellaneda.
Em função do título da Copa do Brasil, a quinta colocação no Brasileiro, com 57 pontos, ficou de bom tamanho para o Cruzeiro, já que o Corinthians liderou o torneio de ponta a ponta e ganhou com folga (72, nove a mais que o vice Palmeiras). O principal destaque cruzeirense foi o meia Thiago Neves, responsável por 17 gols e 14 assistências em 57 partidas. Somente na Série A, ele balançou as redes 10 vezes e integrou a seleção do campeonato. Os números provaram o status de grande contratação de 2017. Também fizeram boa temporada o goleiro Fábio, os zagueiros Leo e Murilo, o lateral-esquerdo Diogo Barbosa, o volante Hudson e o meia Arrascaeta.
Técnicos comentam trabalho em longo prazo
Se Mano Menezes e Enderson Moreira estão há quase dois anos ininterruptos em Cruzeiro e América, o Atlético teve cinco técnicos nesse intervalo: Marcelo Oliveira, Diogo Giacomini (interino), Roger Machado, Rogério Micale e Oswaldo de Oliveira – este último comandante do time de 2018. Mas qual o segredo para a longevidade dos treinadores de Raposa e Coelho? Mano credita o sucesso aos bons resultados.
“Porque é raro, vocês sabem, né?! Se a gente perder três, vocês começam a fazer pressão para derrubar e os caras derrubam (risos). Não, não estou dirigindo isso para a imprensa não. É uma brincadeira. Nós estamos no cargo há mais tempo e estamos nos mantendo porque os resultados são bons. Não há outra maneira de seguir o trabalho. Quando a desconfiança começa a pairar sobre qualquer trabalho, mesmo que o dirigente não queira demitir o treinador, ele se vê numa situação tal que o único caminho para seguir é esse. E às vezes você não suporta essa pressão e toma a decisão que a maioria toma. Quem suporta, consegue fazer resultados mais positivos. As amostragens estão aí ao longo do tempo”.
Por sua vez, Enderson Moreira destaca que tanto Cruzeiro quanto América têm filosofias de trabalho bem definidas. “Acho que temos alguns aspectos mais desenvolvidos, não começamos do zero. Como aconteceu em 2017, que estávamos reformulando completamente o elenco e a forma de jogar. Acho que agora, tanto eu como o Mano, já temos algo bem implantado, e com as peças que chegam vamos nos ajustando aos poucos. Claro que isso pode te levar a outros caminhos, mas já temos uma ideia muito clara do que precisa ser executado”.
Números de Mano Menezes pelo Cruzeiro
Jogos: 123
Vitórias: 60
Empates: 38
Derrotas: 25
Gols marcados: 187
Gols sofridos: 110
Título: Copa do Brasil de 2017
Segunda passagem (desde julho de 2016)
Jogos: 107
Vitórias: 52
Empates: 32
Derrotas: 23
Gols marcados: 160
Gols sofridos: 97
Números de Enderson Moreira pelo América
Jogos: 87
Vitórias: 35
Empates: 27
Derrotas: 25
Gols marcados: 87
Gols sofridos: 80
Título: Série B de 2017
Segunda passagem (desde julho de 2016)
Jogos: 84
Vitórias: 34
Empates: 26
Derrotas: 24
Gols marcados: 85
Gols sofridos: 76
Cruzeiro x América em 2018
Cruzeiro: 3 vitórias e 1 empate, com 8 gols marcados e 1 sofrido
América: 3 vitórias e 1 empate, com 6 gols marcados e 2 sofridos
– No Cruzeiro, o meia Rafinha já balançou as redes quatro vezes no Estadual e é o artilheiro geral do torneio
– O América, por sua vez, não perde há 15 partidas. Última derrota foi em 1º de outubro de 2017, pela 27ª rodada da Série B (2 a 1 para o Oeste).