O edifício da avenida Afonso Pena, 2.351, no centro de BH, ainda está em obras. No local deveria funcionar o Memorial de Direitos Humanos, cujo projeto foi lançado pelo ex-governador Fernando Pimentel (PT), em abril de 2018, com previsão de inauguração no final do mesmo ano. Porém, as obras sofreram atraso e o Memorial ainda não tem data para ser inaugurado.
Na época do lançamento do projeto, o então governador destacou que o objetivo era fazer com que o prédio do antigo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) retratasse abusos e violações aos direitos humanos no país, especialmente durante o período militar.
A escolha da antiga sede do Dops para abrigar o Memorial visava conscientizar os visitantes sobre os crimes cometidos no passado. O local foi usado durante o regime militar para práticas de repressão e tortura a perseguidos pela ditadura.
O edifício é tombado pelo município e pelo estado, por isso as obras seguem as diretrizes de proteção do patrimônio. A construção foi desenhada pelo arquiteto Hélio Ferreira Pinto, como parte de um projeto de modernização dos prédios de segurança pública do estado, nos anos 1950. O arquiteto assinou também o prédio do Banco Central, em Brasília. O Dops foi inaugurado no local em 1958.
Reparos emergenciais e projetos
O governo de Minas informa que trabalha em duas frentes para conclusão do espaço: reparos emergenciais na estrutura do edifício e elaboração e conclusão dos projetos Museológico e de Musealização do Memorial.
Com o objetivo de preservar a estrutura do local, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) fez alguns reparos de caráter emergencial no edifício. Na primeira etapa de obras, finalizada em 2021, houve:
- reforma da cobertura do edifício, com diversos pontos de infiltração,
- melhoria da segurança de muros, com retirada de rebocos em descolamento
- instalação de concertina,
- troca completa de vidros e esquadrias danificados em todas as janelas
- reforma de espaço indicado como simbólico nos dossiês de tombamento
- substituição de portão de ferro com risco de queda
Na segunda etapa, concluída em fevereiro deste ano, a Sedese recuperou o sistema de energia elétrica e hidrossanitária do edifício, com habilitação completa das dependências do primeiro pavimento, de acordo com as diretrizes de tombamento.
Durante o processo de reparos estruturais, houve a implementação do Memorial de Direitos Humanos, que se orienta no Projeto Museológico, elaborado em parceria com a UFMG, em 2020. Nos termos da Lei nº 13.448/2000, o projeto deve ser discutido por uma comissão de trabalho composta por representantes do poder público estadual e de organizações da sociedade civil. O resultado dessa comissão será a entrega de um projeto de musealização, atendendo à premissa de construção participativa de políticas públicas.
Segundo planejamento da Sedese, por meio da Subsecretaria de Direitos Humanos (Subdh), a conclusão e aprovação do projeto de musealização estão previstas para este ano. Ainda de acordo com o governo, só após esta etapa será possível fazer o planejamento dos projetos executivos – de museografia, engenharia, arquitetura e complementares – que tem previsão de finalização até dezembro de 2024. Tais projetos vão possibilitar a adequação arquitetônica do prédio para seu novo uso.
O governo de Minas ressalta ainda que a conclusão do Projeto de Musealização é essencial para estabelecer o planejamento de determinadas obras e determinar prazos mais precisos para as próximas etapas de implantação do Memorial.
Os projetos executivos, contratados e executados pela Sedese até 2024, vão definir as obras de adequação arquitetônica que precisarão ser feitas para habilitar o edifício a seu novo uso, além de possibilitarem a projeção de custos e prazos para conclusão da implantação do Memorial.
Cronograma afetado pela pandemia
Segundo o governo do estado, o cenário adverso provocado pela pandemia impactou diretamente o cronograma inicial para implantação do Memorial, pois a situação de emergência sanitária exigiu a reprogramação das ações e investimentos. Durante esse período foram detectados diversos problemas estruturais e foi preciso priorizar recursos e esforços na contratação dos reparos emergenciais.
Importância do Memorial
Professora de Museologia da UFMG, Letícia Julião explica que o memorial, assim como outras iniciativas no Brasil, é resultado da luta em defesa do direito à verdade, à justiça e à reparação de violações de direitos humanos cometidas durante o período da ditadura militar por agentes do Estado.
Ela é coordenadora do projeto de extensão de Implantação do Memorial, uma parceria da UFMG com a Sedese.
“O prédio é um importante testemunho material dos atos de repressão política e tortura praticados naquele período no país. Como vestígio espacial de uma memória traumática do passado, o imóvel permite que nós possamos compreender, interpelar e interpretar esse passado.”
Letícia destaca que o tombamento do imóvel, em 2013 e 2015 nas esferas municipal e estadual, respectivamente, selaram seu reconhecimento como patrimônio cultural.
“Transformá-lo em um memorial significa ir mais além, e assegurar a ressonância social desse patrimônio. Ou seja, o Memorial é a possibilidade de ampliar o seu reconhecimento pela coletividade como uma referência potente de uma memória de passado recente, difícil e doloroso de violação dos direitos humanos. Mas também, e isso é muito importante, como uma referência, cuja sobrevivência no tempo, nos permite identificar, debater e compreender os impasses e os desafios que estão postos para a sociedade brasileira em relação aos direitos humanos no presente”, afirma.
A professora ressalta que não se trata de um lugar concebido para o culto de recordações, como ato destituído de sentido para o tempo presente. “Em uma perspectiva museal, a função do memorial será orientar-se para o exercício de uma pedagogia dos direitos humanos, desempenhando um papel político e ético, como meio de promoção de valores democráticos e da agenda de lutas pelos direitos humanos.”
Segundo ela, essa é a importância de preservar o prédio do antigo Dops e de implantar o Memorial de Direitos Humanos. Letícia lembra ainda que a iniciativa do memorial se alinha aos chamados sítios de consciência, e que têm por vocação ressignificar memórias de violação dos direitos humanos no presente.
“Alguns memoriais já foram implantados e muitos estão em discussão para serem instalados em vários estados do Brasil. Não é, portanto, uma iniciativa isolada, mas que se insere em um cenário patrimonial, que tem alcance internacional, no qual atuam redes que conectam sítios, museus, memoriais e outras iniciativas similares.”
A professora cita como exemplo a Federation of International Human Rights Museums, do International Committee for Memorial Museums in Remembrance of the Victims of Public Crimes, da International Coalition of Site of Conscience e da Rede de Sites de Memória da América Latina e Caribe (RESLAC).
“São instituições espalhadas por todo mundo, comprometidas em promover a democracia e as garantias da não repetição de graves violações dos direitos humanos, em períodos de terrorismo de Estado, conflitos armados internos e altos níveis de impunidade.”