A exploração de ouro e a geração de resíduos tóxicos no processo, como o arsênio, fazem da água que escorre da Mina de Morro da Glória uma ameaça para 500 pessoas das três ocupações Vila da Mata, em Nova Lima, na Grande BH. Mesmo com placas espalhadas pela mineradora AngloGold Ashanti alertando que se trata de líquido impróprio para uso, vários moradores o empregam para lavar louças e roupas, fazer a limpeza das casas e até para consumo de galinhas e porcos, arriscando a saúde das próprias famílias. A situação do empreendimento paralisado e com área vizinha ocupada irregularmente é preocupante, mas representa apenas um exemplo grave dos perigos que podem representar empreendimentos minerários abandonados após a exaustão de seus valores, de sua viabilidade ou paralisados até melhor oportunidade de exploração. E está longe de ser um caso isolado: em todo o estado, são mais de 500 feridas deixadas para trás pela extração de riquezas minerais, com ameaças ao meio ambiente e a comunidades, em um quadro que o Estado de Minas revela hoje e amanhã na reportagem“Minas desativadas: cicatrizes da exploração”.
“É a água que temos aqui”.
Segundo o Cadastro de Minas Paralisadas e Abandonadas da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), dos 520 empreendimentos nessa situação no estado, 401 (77%) se encontram com as atividades suspensas, enquanto 119 (23%) estão em situação de abandono. A Mina Morro da Glória se enquadra na primeira definição, e indica como o passivo ambiental deixado após anos de exploração pode ameaçar comunidades.
“É a água que temos aqui. Somos muitas pessoas e não temos acesso (ao abastecimento). O certo seria que não poluíssem a água, porque depois ela cai no rio (das Velhas)”, reclama o comerciante Luís Ricardo Ferreira Romeu, de 30 anos, referindo-se ao líquido contaminado que escorre da mina. “Acabamos usando. Só não bebemos e cozinhamos com ela. Mas muita gente usa essa água para tudo. É que aqui falta de tudo: água, estrada, esgoto…”, completa Christina de Freitas, de 42, desempregada, que mora na ocupação Vila da Mata, em Nova Lima, com o marido e o filho de 1 ano.
Quando a mina em Nova Lima deixou de ser explorada, os dois acessos que existiam na base do Morro da Glória (Morro Santa Rita) para a extração do ouro foram lacrados com estruturas de alvenaria. Do alto, onde uma mata fechada cobre o contorno dos morros, desce um curso d'água conduzido por uma calha de concreto. É esse pequeno córrego que passa em meio às casas da ocupação, com água imprópria que chega a ser acumulada em pequenas barragens nas partes mais baixas da comunidade.
O líquido, invariavelmente, segue para desaguar no Rio das Velhas, apenas quatro quilômetros acima da Estação de Captação de Água de Bela Fama, da Copasa. É de lá que vem a água que chega às torneiras e reservatórios de 60% dos consumidores da Grande BH.
SEM LICENÇA O cadastro da Feam indica que empreendimentos como a Mina Morro da Glória são considerados paralisados quando “a atividade de extração mineral está inativa, com previsão de reinício de produção e com medidas de controle e monitoramento ambiental”. Já os abandonados se encontram “sem previsão de reinício da atividade, sem medidas de controle ou monitoramento ambiental, caracterizando o abandono do empreendimento, no qual o processo de fechamento está incompleto ou ausente”.
Das 520 minas inoperantes identificadas no estado pela Feam, 57 não têm licença ambiental. Dessas, 30 (53%) foram caracterizadas como paralisadas e 27 (47%), como abandonadas. Os principais passivos ambientais encontrados nessas áreas inativas de exploração correspondem à perda de solo, carreamento e disposição desordenada de materiais sólidos, assoreamento de drenagens, acúmulo de água pluvial em cavas e intervenções em áreas de preservação permanente (APPs).
Sujeira depois da pedra-sabão
Entre os problemas identificados em fiscalizações de minas inoperantes, os agentes da Feam puderam verificar que grande parte dos empreendimentos paralisados “não investem em processos de recuperação e não apresentam sinalização e cercamento, sendo que, muitas vezes, os acessos são precários. Em muitos casos, há dificuldade em se identificar o responsável pelo passivo e pelo empreendimento, as áreas encontram-se com processos erosivos evidentes e sem sistemas de drenagem”.
Um retrato exposto desse tipo de situação pode ser encontrado em outro ponto da
zona rural de Nova Lima, onde um rombo no terreno em meio a pastos e à mata ciliar de um afluente do Córrego dos Boiadeiros engoliu 11 hectares de área onde foi aberta uma mina de esteatito, a pedra-sabão.
Abandonada, a escavação em degraus buscando os veios cinzentos usados para
artesanato e outros utensílios perfurou mais de 60 metros. No fundo, a água corre e se acumula até vencer a cavidade aberta por tratores e escavadeiras, seguindo mata adentro já com o barro e os resíduos do esteatito. Nas bordas da cava, o terreno já apresenta sulcos provocados pelas erosões trazidas por
chuvas e enxurradas que vêm das partes mais altas.
Ao deixar a mina, a água segue atravessando propriedades rurais e sofrendo alguns barramentos até ingressar no Córrego dos Boiadeiros, já em área preservada de Mata Atlântica, onde deságua no Ribeirão dos Macacos, importante afluente do Rio das Velhas, cuja a foz fica a apenas dois quilômetros da captação da Copasa em Bela Fama.
Controle parte de empreendedores
A Feam informa que trabalha a temática de minas abandonadas e paralisadas desde 2007. “Os empreendedores passaram a entregar à Feam relatórios de paralisação da atividade minerária, para caracterizar a área e apresentar as medidas mitigadoras que serão aplicadas no empreendimento durante a paralisação. Os relatórios são analisados pelos técnicos e considerados como forma de acompanhamento do controle das medidas de mitigação de impacto ambiental adotadas pelas empresas”, informa a fundação.
Sobre o empreendimento Mina Morro da Glória, da Anglogold Ashanti, a Feam afirma que a gestão ambiental da área é feita com base no Relatório de Paralisação de Atividade Minerária. “É importante destacar que a entrada da mina subterrânea está selada, a área cercada e, ao longo de todo o empreendimento, existem sinalizações alertando para as restrições de uso da água que drena da mina”, informa.
Sobre as questões de contaminação, “não foram encontrados registros de declaração de área suspeita de contaminação ou contaminada em nome desse empreendimento”. Mas, após questionamento do Estado de Minas, será determinado à mineradora que identifique as suas áreas contaminadas. “Ressaltamos que, mesmo com a declaração específica por parte do
empreendedor, a empresa será demandada a realizar os procedimentos para identificação de áreas contaminadas previstas na legislação”, acrescentou a Feam.
A Prefeitura de Nova Lima informou, em nota, que está em tratativas com a AngloGold Ashanti para que seja estabelecido um plano de reassentamento para as famílias no local. “É de responsabilidade da Anglogold Ashanti a regularização e requalificação das áreas ocupadas irregularmente; entretanto, em função da complexidade do contexto, e visando reparar os danos sociais gerados, a prefeitura está disposta a colaborar para as soluções e tem feito constantes esforços nesse sentido.”
Já a mineradora AngloGold Ashanti informou, também por meio de nota, que a Mina Morro da Glória “encontra-se paralisada e devidamente registrada nos órgãos competentes, com monitoramento constante da estrutura”. “A qualidade da água da mina reflete a geologia local típica do quadrilátero ferrífero, é monitorada e está dentro dos parâmetros legais para deságue de efluentes, não causando impacto ao Rio das Velhas”, sustenta a empresa, embora reconheça que o líquido “naquele ponto” é impróprio para uso humano, “o que é devidamente informado em sinalização instalada no local”.
E empresa acrescenta que ações para manutenção e fechamento do complexo vêm sendo desenvolvidas para “uso futuro sustentável e alinhado com as demandas locais”.
sob investigaçãO Sobre as empresas de extração de pedra-sabão Mineração Rocha Viva Ltda. e M.S.M e Mariana Soapstone Mining Mineração e Comércio Ltda., a Feam informou que ambas foram autuadas em 2018, por descumprimento dos procedimentos para paralisação temporária e fechamento de mina. “Os danos identificados na área são objeto de inquérito civil e estão sendo investigados pelos órgãos de segurança responsáveis”, acrescentou.
O Estado de Minas tentou contato com os responsáveis, mas não conseguiu representantes para falar sobre planos de conservação, descaracterização da área impactada ou retomada da exploração.