Estadão Conteúdo
O rompimento da barragem da Vale em Brumadinho reacendeu o debate sobre a eficiência da fiscalização da atividade de mineração no País, trazendo a reboque outra questão: o que fazer se uma tragédia no futuro envolver não a gigante multinacional, com recursos para pagar multas bilionárias, mas uma empresa de pequeno porte, desativada ou até falida? Trata-se de um perigo real, segundo especialistas no setor, pois as barragens mais vulneráveis de Minas Gerais, segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), pertencem a empresas que hoje estão com as atividades paralisadas.
A barragem de mais alto risco de Minas Gerais é a da Mina Engenho, da Mundo Mineração, companhia que deixou de operar no município de Rio Acima há mais de seis anos. Sem manutenção desde então, a única sinalização que a barragem recebeu foram placas que alertam para a presença de material tóxico usado na extração de ouro, como arsênico e mercúrio. É a situação mais grave, mas longe de ser a única: o Estado apurou que outras duas minas com atividades paralisadas também são consideradas mais perigosas que a instalação da Vale em Brumadinho. A situação já chamou a atenção do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que investiga algumas essas operações.
A questão das minas abandonadas em Minas Gerais não é desconhecida do poder público. Em 2016, a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), do governo mineiro, detectou nada menos do que 400 minas abandonadas ou desativadas no Estado. Embora o levantamento concentre apenas os sítios inoperantes, e não a situação das barragens, cita casos de barragens que não apresentaram relatórios de segurança sobre seus rejeitos. A lista da fundação repete três dos casos listados como preocupantes pela agência reguladora: Mundo Mineração, Minar Mineração Aredes e Topázio Imperial Mineração.
Quem entende do setor garante que as minas desativadas de Minas Gerais são uma “bomba relógio”. Para Carlos Martinez, professor da Universidade Federal de Itajubá (Unifei) que acompanha de perto o setor, a situação é “desesperadora”. “A conta um dia vai chegar e tem o potencial de quebrar de vez o Estado”, diz ele, referindo-se às dificuldades econômicas de Minas Gerais, que resultaram no atraso de salários de servidores ao longo de 2018. “Muitas dessas mineradoras sequer existem mais. E quem vai pagar a conta do desastre ambiental e social? O poder público.”
Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Bruno Milanez diz que a legislação brasileira deveria prevenir que “aventureiros” se lançassem na mineração e deixassem para trás perigos ambientais e sociais. “Vários países com atividade minerária relevante exigem que as empresas provem sua viabilidade econômica antes de iniciar a exploração de uma determinada área, por meio de cartas de crédito e seguros contra danos futuros. Isso não acontece por aqui.” Fontes do setor diz que essa reticência em cobrar responsabilidades do setor reside na dependência econômica dos municípios mineiros da atividade.
Estação ecológica
A queda de braço entre a mineração e o meio ambiente fica transparente no caso da Minar Mineração Aredes, companhia de Itabirito, município da Grande BH próximo a Brumadinho. A mina da empresa fica dentro de uma área de preservação ambiental: as placas que demarcam a Estação Ecológica do Aredes não foram instaladas muito longe do portão da mineradora atualmente desativada.
A Minar tem os direitos de exploração da jazida de minério de ferro no local desde 1974, mas teve de paralisar as atividades após a estação ecológica ser criada pelo governo do Estado, em 2010. O atual dono, o empresário Lucas Cabalero, afirma que atualmente não pode “nem mesmo entrar na área” para fazer relatórios sobre as barragens. Ele admite, no entanto, que adquiriu a empresa “no risco” – pois, à época, a área de preservação já havia sido demarcada. Mesmo assim, tinha esperança de obter autorização para voltar a minerar.
Nove anos depois, Cabalero diz não ter conseguido resolver a questão. Foi notificado pelo Ministério Público Federal (MPF) a apresentar um relatório de estabilidade da barragem, mas reclama de dificuldades para atender a demandas que vêm de autoridades estaduais e federais. Como a mina não funciona há quase uma década, o proprietário afirma que os rejeitos estão secos e que o reservatório, localizado bem no meio da estação ecológica, não corre risco de romper. Mesmo assim, Cabalero diz que espera só as questões legais se resolverem para iniciar a desativação do reservatório – se possível, ainda este mês.
Procurado, o Ministério Público de Minas Gerais diz ter cobrado providências da Feam e da ANM sobre a Minar Mineração – caso que classifica como “urgente”. O MP também cobra providências da Prefeitura de Itabirito em relação à área. Hoje, o acesso é fácil tanto à estação ecológica quanto à mina desativada. O repórter fotográfico do ‘Estado’ não teve dificuldades para acessar a barragem – bastaram apenas alguns minutos de carro morro acima. Havia uma porteira na propriedade da Minar, mas ela se encontrava aberta.
Topázio. Outro mina desativada que preocupa tanto o Estado quando o governo federal é a da Topázio Imperial Mineração, no distrito Rodrigo Silva, em Ouro Preto (MG). O ‘Estado’ esteve em Rodrigo Silva e, segundo os moradores, a mina não é explorada há vários anos. A sede da empresa está registrada em Belo Horizonte, na casa de um ex-funcionário. Após a reportagem visitar a residência e deixar um telefone de contato, foi procurada na semana passada por Guilherme Capanema Gonçalves, que se identificou como filho de um dos três atuais sócios da companhia.
A exemplo da Minar Mineração, a Topázio espera solucionar a situação da mina ainda em fevereiro. Disse ainda que as atividades da Topázio Imperial estão paralisadas desde 2017, quando o MP entrou com ação civil pública contra a empresa. Procurada, a Procuradoria não quis comentar o caso. Segundo Gonçalves, a barragem já está tomada por vegetação porque a empresa deixou de fazer a exploração industrial da jazida há dez anos. Na época da suspensão da mineração, a companhia já realizava a mineração a seco, em pequenas quantidades – atividade que Gonçalves diz que os sócios esperam retomar ainda em 2019.