Nova iniciativa para resgatar bens culturais de Minas Gerais, muitos deles desaparecidos, ao longo de décadas, de igrejas, capelas, museus, prédios públicos e outros monumentos. Na tarde (17h30) desta segunda-feira (29), o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) lança a campanha Boa Fé, para estimular a devolução voluntária de peças sacras, obras de arte e outros objetos. À frente da ação, cujo lema é "Ao patrimônio o que é do patrimônio", estão o procurador-geral de Justiça, Jarbas Soares Júnior, e o coordenador das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC/MPMG), Marcelo Azevedo Maffra.
Segundo Marcelo Maffra, objetivo é devolver os bens recuperados de forma voluntária aos locais de origem, dos quais foram desviados, para que sejam de "fruição coletiva", ou de toda a comunidade. "Nos últimos 15 anos, desde a criação da Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais, consolidamos o trabalho no combate ao tráfico de bens culturais. Essa, agora, é uma nova vertente", afirma o coordenador da CPPC.
O foco da Boa Fé está nas pessoas que têm em seu poder imagens e outros bens, recebidos em herança ou de outra maneira e desconhecem a procedência. "Esta campanha tem um viés resolutivo, negocial, de forma a evitar ajuizamento de ações ou busca a apreensão dos objetos. A finalidade está no diálogo para chegarmos à construção de soluções, conciliação, enfim, mais uma porta que se abre para o trabalho de resgate de bens culturais desaparecidos", destaca Marcelo Maffra.
O MPMG registra devoluções espontâneas, a exemplo da "Cabeça de anjo de fita falante", esculpida por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814). A peça foi doada ao Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Fazenda da Jaguara, e estava sob os cuidados do Museu de Arte de São Paulo (Masp).
RESULTADOS
Junto à da recuperação de bens culturais desaparecidos. O MPMG espera, como resultados imediatos, um aumento na eficiência na atuação da instituição, principalmente com o incremento do número de objetos restituídos, redução no tempo das investigações e economia de recursos públicos.
De acordo com a CPPC/MPMG informa que Minas Gerais tem o maior número de bens culturais formalmente protegidos no país, contudo, grande parte desse acervo foi indevidamente retirada de seus locais de origem em função de sua valorização no mercado de artes e antiguidades.
"Em se tratando de bens culturais móveis, para além da conservação física, outra grande preocupação reside na manutenção desses bens nos respectivos locais de origem, onde representam os valores da comunidade e são usados como suporte para outras inúmeras práticas e manifestações culturais. Nesse contexto, seu desaparecimento priva a comunidade da fruição coletiva, ao afastá-los do seu contexto", afirma Marcelo Maffra.
O coordenador da CPPC ressalta que, embora diversos bens culturais tenham sido clandestinamente subtraídos e ilegalmente comercializados, há, por outro lado, situações em que os detentores adquiriram ou receberam os objetos sem conhecer sua origem ilícita. "Em outros casos, da mesma forma, obras de arte e antiguidade de procedência incerta são transmitidas por herança e, não raramente, permanecem por décadas em poder de detentores de boa-fé."
Nesses casos, acrescenta o coordenador da CPPC, é possível interpretar os negócios jurídicos conforme a boa-fé do detentor (artigo113 do Código Civil) ou considerar de boa-fé a posse quando o possuidor ignora o vício (artigo 1.201 do Código Civil). "Para tanto, é imprescindível que os detentores de bens de fruição coletiva, que, por
qualquer motivo, tenham sido retirados do seu local de origem, ao tomar conhecimento de que o objeto integra o patrimônio cultural de Minas Gerais, manifestem a opção pela devolução espontânea."
A adesão à campanha Boa Fé será efetivada por meio de envio de correio eletrônico à Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC) – cppc@mpmg.mp.br -, com o título "Campanha Boafé" e o envio de imagens, fotografias, vídeos ou documentos relativos ao bem cultural. E mais: se possível, informar a circunstâncias da aquisição ou recebimento (local e data aproximada); o local de origem do bem; e características e dimensões aproximadas do bem.
Após o recebimento do correio eletrônico, a CPPC promoverá as diligências necessárias para averiguar as informações recebidas e a adequação aos termos da campanha. Nos casos em que, após análise técnica, for confirmado o local de origem do bem cultural de fruição coletiva, a CPPC adotará as providências necessárias para a devolução. Contudo, nos casos em que, esgotadas as diligências investigatórias, existirem indícios de que o bem cultural é de fruição coletiva, mas não for identificado o local de origem, a CPPC adotará as providências necessárias para verificar a necessidade do adequado acautelamento do bem.
Cumpridos todos os requisitos da campanha, o participante receberá um certificado emitido pelo MPMG, como forma de reconhecimento pela adesão à campanha sendo, ainda, facultada ao participante a presença no evento de restituição do bem ao local de origem e a menção da sua adesão à campanha.
Nos casos em que o detentor do bem cultural optar pela participação anônima na campanha, lhe será assegurado o direito ao sigilo dos dados.
Aplicativo
Uma ferramenta colaborativa tem se mostrado eficaz na preservação do patrimônio cultural de Minas Gerais. Trata-se do Sistema de Objetos Mineiros Desaparecidos e Recuperados (Somdar), um aplicativo desenvolvido por diversas instituições envolvidas no resgate de bens culturais desaparecidos no estado.
O Somdar reúne, em uma única plataforma, todas as informações presentes nos bancos de dados sobre os bens culturais desaparecidos em Minas Gerais, de modo a consolidar dados que antes eram restritos a cada órgão de fiscalização.
O principal objetivo do Somdar é conferir ampla publicidade às informações e, consequentemente, trazer a população para participar ativamente da recuperação dos objetos desaparecidos. "A ideia é colocar a vigilância do patrimônio cultural na palma das mãos da comunidade, que poderá contribuir com os órgãos de fiscalização fornecendo informações sobre o paradeiro das peças desaparecidas", ressalta Marcelo Maffra.
Atualmente, no Somdar constam mais de 2,5 mil materiais móveis mineiros cadastrados, os quais podem ser livremente consultados por qualquer pessoa, resultando em ampliação significativa da participação popular no processo de vigilância e proteção do patrimônio cultural de Minas Gerais.