Se, para muitos brasileiros, ouvir palavras como “trem”, “uai” e “arreda” pode parecer outra língua, como será que o ChatGPT, a inteligência artificial do momento, se comportaria diante das tantas gírias e regionalismos que compõem o famoso mineirês?
Quem traz a resposta é a Preply, plataforma que, depois de medir o nível de compreensão da ferramenta sobre expressões de todo o Brasil, agora se volta especificamente para a cultura mineira em busca dessa descoberta. Embora a tecnologia venha prometendo ser a solução de todos os problemas, a especialista no ensino de idiomas já adianta: ela até entende, mas ainda precisa “comer muito feijão com arroz” para desvendar o jeitinho mineiro de conversar.
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Isso porque, dos 55 jargões de Minas apresentados ao Chat recentemente, cerca de 25% das palavras receberam significados equivocados por parte do assistente virtual, que ora ofereceu explicações bastante diferentes das conhecidas por mineiros, ora disse não fazer ideia do que fosse seu sentido. Esse foi o caso, por exemplo, do termo “dar manota” (e também seu derivado “manoteiro”), incompreendido pela ferramenta, mas o equivalente regional a dar uma “mancada” ou “bola fora”: “amiga, você não sabe… acabei de dar uma manota daquelas!”
Algo parecido também ocorreu com o sentido de “culiado”, mais utilizado nos interiores de Minas e cujo conceito o ChatGPT não conseguiu captar. Para quem também tem dúvidas, trata-se da forma rotineira de dizer que uma pessoa está tramando contra alguém junto de seus parceiros, como no exemplo: “Fica esperto, viu? Aqueles dois estão culiados um com o outro”.
“Fragar”, pelo visto, também é algo que a tecnologia criada pelo estadunidense Sam Altman não sabe tanto assim. Quando questionada sobre esse clássico verbo mineiro, a ferramenta titubeou, não “fragando” que, na verdade, essa palavrinha é o sinônimo para “entender” ou “sacar” alguma coisa na terra do pão de queijo. Quem andar pelas ruas do centro de Belo Horizonte, principalmente ao lado de jovens, dificilmente sairá dali sem ouvir algum adolescente dizendo que “não fraga nada de matemática” ou perguntando ao amigo: “uai, cê fragou o que eu falei?”.
Ele até diz que entende, mas na prática…
Além das ocasiões sem resultado algum, houve diversos momentos em que o ChatGPT afirmou saber o significado das palavras, fornecendo, porém, respostas imprecisas para as terminologias. Se “trem” foi rapidamente identificada por ele, não podemos dizer que o mesmo aconteceu com seu sinônimo “breguete”, entendido pela inteligência artificial como “coisas cafonas”. Nada disso, aliás: em Minas, um “breguete” é literalmente qualquer objeto, sobretudo se o “breguete” em questão for meio confuso de entender.
Você tem o costume de dizer que está “arroiado” para falar que está “cheio” ou “entupido” de tanto comer? O ChatGPT não. Para ele, o adjetivo significa nada mais, nada menos que “alguém cansado e sem energia” — provando que esse é mais um exemplo indecifrável ao lado de jargões como “marmota” e “cata-jeca”.
O raciocínio por trás do ChatGPT
Uma coisa é fato: mesmo com todos os exemplos acima, o ChatGPT se daria bem numa conversa com qualquer mineiro. Isso porque, de forma geral, estamos falando de uma ferramenta treinada com uma grande quantidade de textos e dados de linguagem natural para captar múltiplos diálogos e contextos.
Na verdade, não é novidade que os dados que constroem o chat vêm de livros, artigos de notícias, páginas da web, mídias sociais e fontes afins, que o permitem entender e reconhecer muitas palavras comuns em diferentes contextos, incluindo gírias e expressões informais. Logo, se alguém pergunta sobre o significado de uma gíria, basta recorrer rapidamente ao conhecimento adquirido por meio do seu “treinamento” para responder.
De toda forma, é importante ressaltar que, por ser uma inteligência artificial, o chat está passível de cometer erros, como demonstrou a pesquisa da Preply. “Embora eu possa entender muitas gírias e expressões informais, minha capacidade de processar linguagem natural é limitada em relação à de um ser humano. Isso significa que posso não entender totalmente certas nuances culturais importantes para interpretar adequadamente a gíria”, respondeu o chat após ser questionado sobre sua assertividade.
Para Yolanda Del Peso, especialista em Outreach da Preply, o estudo parece decifrar os dois tipos de gírias que suscitam imprecisões no ChatGPT: aqueles que requerem um contexto mais profundo ou as expressões derivadas de palavras formais do português, às quais a população acaba atribuindo novos sentidos no cotidiano. “Isso nos ajuda a pensar até onde a tecnologia é capaz de ir, bem como certas nuances da linguagem que ela ainda não alcança… e nem tão cedo será capaz de alcançar”.