Uma semana antes do rompimento do mineroduto da Anglo American, a mineradora britânica já tinha se tornado alvo de uma ação civil pública apresentado pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) por danos morais coletivos e danos sociais a populações de três cidades: Conceição do Mato Dentro, Dom Joaquim e Alvorada de Minas. Segundo o ministério, essas comunidades estariam sofrendo violações de direitos na implantação do empreendimento Minas-Rio. A ação pede que a empresa seja obrigada a destinar R$ 400 milhões a um fundo especial para reparação dos danos.
O mineroduto que se rompeu na segunda-feira (12) integra o empreendimento Minas-Rio, que envolve a extração de minério nas serras do Sapo e Ferrugem e o beneficiamento nos municípios de Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas. O mineroduto tem 525 quilômetros e é responsável por levar a produção até o litoral fluminense, se encerrando em um porto em Barra de Açu, no município de São João da Barra (RJ).
Conforme informações da própria Anglo American, o Minas-Rio é seu maior investimento mundial. Ele começou a se desenhar em 2007, com a compra de ativos da mineradora MMX Mineração, do empresário Eike Batista. O porto em Barra de Açu, onde fica o terminal da Anglo American, foi idealizado pelo grupo EBX, também de Eike, e que, atualmente, é controlado pelo grupo norte-americano EIG. Em janeiro, a Anglo American obteve dos órgãos ambientais de Minas Gerais as licenças prévia e de instalação necessárias à etapa 3 do Minas-Rio, que diz respeito à extensão da Mina do Sapo.
De acordo com informações disponíveis no site do MPMG, “a instalação e a operação do projeto Minas-Rio provocaram uma ruptura nas formas de viver e de agir das pessoas e comunidades”. O órgão alega que a ação é subsidiada por diagnósticos, trabalhos acadêmicos e estudos, os quais apontam que a chegada da empresa na região causou aumento da violência e da criminalidade, escassez de água, elevação repentina do número de habitantes, destruição de vias urbanas e rurais, poluição e desagregação social e cultural.
Os impactos no fornecimento de água provocados pelo projeto também teria ocasionado, em famílias e produtores rurais, a falta de perspectiva para continuarem suas atividades no campo. Segundo dados apresentados na ação, a Mina do Sapo usaria 2,5 mil metros cúbicos de água limpa por hora, o que seria suficiente para abastecer uma cidade de 220 mil habitantes. Além disso, cursos d’água, que antes eram utilizados para atividades culturais e de lazer, teriam sido fechados ao acesso da população devido à poluição. Aponta-se ainda queda na geração de renda no setor do ecoturismo.
Outra alegação dos promotores é de que a Anglo American, antes da implantação do empreendimento, adquiriu imóveis rurais omitindo o potencial minerário do local, com o objetivo de comprar as propriedades por preços mais baixos. A prática teria ferido o direito à informação. “Entre 2007 e 2010, moradores da região, muitos deles hipossuficientes, teriam sido constrangidos, assediados e pressionados a negociarem suas terras”, acrescenta o MPMG.
As violações foram apuradas dentro de um inquérito civil conduzido pelos promotores, que também apontou dificuldades nas negociações entre empresa e população, assim como nos processos de reconhecimentos dos atingidos e de reassentamento. A mineradora, segundo o MPMG, não teria dado a devida atenção às relações do povo local com o território. As constatações do inquérito chegaram a ser debatidas em audiência pública realizada em agosto do ano passado.
Rompimento
De acordo com a empresa, o mineroduto rompeu-se às 7h42 de segunda-feira (12), liberando 300 toneladas de polpa de minério que não teriam substâncias químicas ou tóxicas, sendo classificada como resíduo não perigoso conforme norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). O material escoou para o Ribeirão Santo Antônio, manancial que fornece água para o abastecimento do município de Santo Antônio do Grama (MG), com população de aproximadamente 4,2 mil pessoas e distante 210 quilômetros de Belo Horizonte.
O abastecimento na cidade foi interrompido pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), estatal responsável pela distribuição de água no estado. Num primeiro momento, a Anglo American disponibilizou caminhões-pipa aos moradores. Em reunião realizada nessa terça-feira (13), a mineradora e a Copasa alinharam estratégias para garantir o abastecimento no município. Uma adutora provisória para captar água no Córrego do Salgado já foi instalada e outra definitiva deve ficar pronta até sexta-feira (16).
O rompimento do duto também motivou outra ação ajuizada nessa terça-feira (13) pelo MPMG e o pedido do bloqueio imediato de R$10 milhões da mineradora, com o objetivo de garantir a reparação e indenização por danos sociais e ambientais. Os procuradores listam ainda medidas emergenciais que deveriam ser adotadas pela empresa, entre elas retirada e destinação ambientalmente adequada dos poluentes em até 72 horas e o cadastro dos afetados pela falta de água. Outro pedido é a realização de uma auditoria ambiental independente no empreendimento Minas-Rio, cujos custos seriam de responsabilidade da mineradora.
Na ação, o MPMG afirma que avaliações preliminares apontam para um vazamento de 450 metros cúbicos de minério durante aproximadamente 45 minutos. Amostras de água coletadas no Ribeirão Santo Antônio mostraram que acima da ruptura há um índice de 75,1 NTU (unidade que mede a turbidez), enquanto no trecho após o rompimento o valor aferido foi de 837 NTU.
A Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad) e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) também avaliam o episódio, mas ainda não há nenhuma decisão sobre penalidades. Por sua vez, o Ministério Público Federal (MPF) instaurou inquérito para apurar o rompimento.
Procurada pela Agência Brasil, a Anglo American informou que ainda não foi notificada da ação do MPMG e só deverá quando tiver conhecimento da íntegra das ações.