O assassinato de um motorista de aplicativo, de 35 anos, durante uma corrida no bairro Jardim Verona, em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, na noite dessa terça-feira (23/5), alimenta a discussão sobre a falta de segurança enfrentada por profissionais que trabalham com transporte por plataformas digitais. Apesar de estarem em constante contato com os “empregadores” e o poder público, para tratar do assunto, motoristas denunciam a falta de ferramentas que garantam a segurança dos colaboradores.
No caso da Grande BH, a vítima foi esfaqueada três vezes, duas no pescoço e uma no tórax. O celular dela não foi encontrado dentro do veículo. O suspeito do crime, um passageiro, tentou fugir do local do acidente, mas foi detido por moradores. De acordo com o boletim de ocorrência, o homem, de 24 anos, estava com as roupas sujas de sangue e com o telefone da vítima.
À polícia, o suspeito disse que esfaqueou o motorista depois de ser assediado por ele. Eles teriam entrado em luta corporal, ainda dentro do carro. No entanto, conforme a PMMG, a versão não condiz com a cena do crime.
Em entrevista ao Estado de Minas, Paulo Xavier, presidente da Frente de Apoio aos Motoristas Autônomos (FANMA), lamentou o ocorrido e afirmou que apesar de não recorrente, os latrocínios, ou seja, roubos seguidos de homicídios, são uma realidade na qual os profissionais da categoria podem estar sujeitos. Isso porque, hoje, em Minas Gerais, as plataformas ainda não oferecem identificação mais detalhada dos passageiros.
Xavier explicou que a FANMA tem intermediado com a Uber, uma das principais plataformas de transporte por aplicativo, a instalação de uma ferramenta que vai permitir que o motorista tenha acesso a uma espécie de botão de segurança que, ao ser acionado, envia uma notificação à central de polícia e forneça o trajeto, em tempo real, da corrida, para uma eventual intervenção. Hoje, a plataforma já possui um botão de segurança, mas para passageiros e não para os colaboradores.
“Mesmo assim, não é o suficiente, nós sabemos que precisa de acontecer mais. Como, por exemplo, que as plataformas possam identificar os passageiros para o motorista. Hoje, o motorista não tem nenhuma informação do passageiro. A gente tem simplesmente um nome, muitas vezes um apelido”, relata.
Identificação
Para o presidente da Frente de Apoio aos Motoristas Autônomos, a identificação do passageiro é uma das principais modificações que as plataformas precisam fazer. No caso do crime da última quarta-feira, a corrida havia sido solicitada por um segundo passageiro, que desceu antes do suspeito.
De acordo com o boletim de ocorrência, a testemunha informou que estava no Centro de Ribeirão das Neves, quando encontrou o suspeito, que pediu que ele solicitasse um carro de aplicativo. Os dois embarcaram juntos, mas a testemunha desceu do carro antes, no bairro Alterosas. Em casa, o homem notou que a viagem não foi encerrada e tentou ligar para o motorista, mas sem sucesso. Pelas redes sociais, ele ficou sabendo que um motorista de aplicativo foi assassinado na região e foi até o endereço. No local, viu o suspeito contido por populares.
“Para a gente é muito triste ver um parceiro, pai de família, esposo, com toda uma carreira pela frente, novo, trabalhando em dois locais, tanto no seu emprego convencional quanto no aplicativo também. E sendo assassinado de uma forma brutal e por um motivo muito fútil, como o roubo de um celular, o roubo de um dinheiro. […] Hoje o motorista coloca um passageiro dentro do seu carro sem saber quem ele é. E ainda tem o caso de quando alguém faz a solicitação para outra pessoa. No caso que aconteceu, era o terceiro passageiro quem causou o crime. Então a gente fica de mãos atadas, porque não temos segurança nenhuma com as plataformas”, desabafa Paulo Xavier.
Outros casos
O Estado de Minas procurou as policiais Civil e Militar para saber quantos casos de latrocínio e homicídio em que as vítimas eram motoristas de aplicativo foram registrados nos últimos anos na Região Metropolitana de Belo Horizonte. No entanto, as corporações informaram que os dados deveriam ser questionados à Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública. A pasta, por sua vez, afirmou que não possui o filtro de profissão em seu banco de dados, não sendo possível fazer a consulta.
Segundo o Paulo Xavier, da FANMA, o último assassinato aconteceu no início de 2021. Matérias veiculadas pelo Estado de Minas apontam que, em janeiro de 2022, um motorista de aplicativo foi assassinado no bairro Caiçara, em Belo Horizonte. Ele e um passageiro foram alvejados. De acordo com o pai do autônomo, ele estava no local esperando o pagamento de uma corrida.
Já em 2021, três casos de possíveis latrocínios de colaboradores das plataformas de corrida por aplicativo foram registrados. Os crimes aconteceram em março, junho e outubro. Neste último, a motorista ficou dois dias desaparecida após aceitar uma corrida na região do Barreiro, o corpo dela foi encontrado na Serra do Rola Moça. Dois homens foram indiciados pelo crime.
Por nota, a “99 App” afirmou que está ciente da “dura realidade da violência no país” e que está aberta ao diálogo com motoristas e motociclistas parceiros para elaborar soluções que aumentem a segurança dos usuários da plataforma. Além disso, a empresa informou que possui “mais de 50 ferramentas de segurança”, como sistema de checagem e validação de passageiros.
“Antes da primeira corrida, a plataforma exige que os passageiros insiram CPF ou cartão de crédito antes da primeira corrida. O usuário só pode solicitar uma viagem após a validação desses documentos. Também é realizada a verificação facial de 100% dos passageiros por meio de inteligência artificial que identifica e reconhece se a selfie é de uma pessoa real. Para oferecer maior proteção aos motoristas parceiros, na tela de aceitação da corrida, é possível verificar a nota e a frequência do passageiro, verificação de documentos e o destino da corrida, para que, assim, os condutores possam tomar a melhor decisão para a segurança deles”, informou a empresa.
A Uber também foi procurada, mas até a publicação desta matéria não respondeu à demanda da reportagem.
Direitos trabalhistas
No início de março, durante a Confederação Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras das Américas (CSA), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que as empresas de aplicativos “exploram os trabalhadores como jamais foram explorados”.
A declaração foi feita em um contexto de falta de direitos trabalhistas como salário mínimo e contribuições fiscais como o FGTS, já que grande parte dos colaboradores dessas empresas, como os entregadores e motoristas, são autônomos.
“Aqui no Brasil temos uma imensa maioria de trabalhadores que são intermitentes, temporários, que não conhecem seu empregador, que sequer tem onde reclamar quando alguma desgraça acontece. […] O trabalho informal ganha dimensão maior do que a formal e as empresas de aplicativo exploram o trabalhador como jamais em outro momento da história os trabalhadores foram explorados”, disse o petista.
Em maio, no Dia do Trabalhador, Lula publicou um decreto que cria grupo de trabalho para discutir regras para os serviços de transporte e entrega por aplicativo. Em até 150 dias, a partir de sua criação, a equipe deverá apresentar uma proposta de ato normativo para o tema.
O grupo contará com 15 representantes do governo – incluindo quatro do Ministério do Trabalho e Emprego, que ficará encarregado de coordenar os trabalhos. Além disso, terá a presença de 15 representantes dos trabalhadores, todos indicados pelas principais centrais sindicais e 15 representantes dos empregadores, incluindo membros de entidades patronais como a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que reúne as maiores empresas do segmento em atuação no Brasil, entre as quais Uber, iFood, Amazon, 99 e Buser, entre outras.
(Com Thiago Bonna)