A decisão de sair do emprego em um restaurante da capital para se tornar motorista de aplicativo de celular foi tomada junto com a mulher. O objetivo de Raul Mário de Oliveira Júnior, de 24 anos, era melhorar a condição financeira da família.
Em dois meses de trabalho, contudo, o jovem já sofreu duas tentativas de assalto. A última delas, nesta terça-feira (12), resultou em um tiro que atravessou a face do motorista. Júnior levava em uma corrida da Uber três homens que embarcaram no bairro Coração Eucarístico em direção ao bairro Camargos, na região Noroeste da capital, quando foi surpreendido pelo anúncio de um assalto.
Na mesma noite, um homem tentou roubar o carro de um taxista no bairro Universitário, na região da Pampulha, e foi baleado em confronto com a Polícia Militar.
Em 2017, pelo menos 18 ocorrências envolvendo violência em aplicativos de transporte foram registradas em Belo Horizonte e região metropolitana.
De acordo com a mulher de Júnior, que preferiu não ser identificada, o marido trabalha a partir das 9h, faz algumas pausas ao longo do dia, e vai até tarde da noite. Eram por volta das 23h de terça-feira quando três homens embarcaram no veículo Ford Fiesta preto do motorista.
Quando o carro chegou ao cruzamento entre as ruas João Batista Vieira e Andira, um passageiro que foi identificado por Júnior como sendo de pele clara e que trajava bermuda, blusa branca e boné preto, anunciou o assalto. Segundo a mulher, o motorista teria reagido.
“Ele tem dois metros de altura e é lutador de jiu jitsu. Acho que ele tentou puxar o freio de mão para ver se segurava o homem. Na tentativa, o moço que estava atrás atirou no rosto dele. A bala entrou pelo lado esquerdo e saiu pelo lado direito”, contou. Júnior afirmou não ter conseguido ver os passageiros do banco de trás, mas especificou que ambos eram negros. Os assaltantes fugiram levando um aparelho de celular Moto G Plus. Até o encerramento desta reportagem, nenhum dos suspeitos havia sido encontrado.
Após ser baleado, o motorista ainda conseguiu dirigir até a casa da sogra, próximo ao bairro Calafate. “Ele chegou, encostou o carro e desceu todo ensaguentado. Pingava sangue da cabeça dele, na barriga, tudo. Eu perguntei o que aconteceu e ele só conseguiu dizer que tinha tomada um tiro. Minha perna bambeou na hora. Eu pensei que ele fosse morrer, que tinha acabado ali. Mas graças a Deus conseguimos chegar ao hospital e ele foi atendido”, contou.
Júnior foi levado para a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) Oeste e transferido em seguida para o Hospital de Pronto-Socorro João XXIII. Na manhã de ontem, contudo, já havia recebido alto e passava bem, segundo a família.
Já um taxista de 48 anos trafegava pela avenida Izabel Bueno, na altura do número 20, no bairro Universitário, também por volta das 23h de terça, quando um homem fez sinal para embarcar.
O passageiro, então, teria pedido que o motorista pegasse mais dois amigos na BR-262, próximo ao Shopping Del Rey, no bairro Caiçara. Durante o trajeto pela rodovia, um dos homens anunciou o roubo e fez diversas ameaças ao motorista, orientando-o para que não chamasse a atenção de policiais. Ao ver uma viatura estacionada em um posto de gasolina no bairro Califórnia, próximo ao entroncamento entre as rodovia BR-262 e BR-040, o taxista jogou o carro contra a calçada.
Esta seria, pelo menos, a segunda tentativa do assalto contra ele. Em uma publicação de junho de 2015 em uma rede social, o motorista relatou ter passado por situação semelhante.
Segundo informações da Polícia Militar, logo após a parada, os três passageiros desembarcaram e começaram a correr para a pista de rolamento da BR-262. Um dos assaltantes, de 21 anos, foi abordado e, com ele, policiais encontraram diversos pertences do motorista. Já os outros dois criminosos fugiram para um aglomerado denominado “Vila Savassinha”, no bairro João Pinheiro.
Ao adentrarem uma mata, os militares contaram ter ordenado que um dos suspeitos, de 32 anos, parasse. De acordo com a PM, ele estava armado com um revólver calibre 38 e trocou tiros com a polícia, sendo atingido no ombro esquerdo e na axila. Ele foi atendido no Hospital Odilon Behrens, onde permanecia sob escolta e em estado estável até o encerramento desta reportagem. Um outro envolvido que não foi identificado permanece foragido.
Por meio de nota, a Uber Brasil lamentou o ocorrido e informou que lançou uma ferramenta de verificação de identidade que exige que usuários que fizerem o pagamento de suas viagens em dinheiro insiram o seu CPF antes de ter acesso ao aplicativo. “Isso vai se juntar às demais medidas de prevenção de risco que implementamos no ano passado para aprimorar o mapeamento de usuários suspeitos antes de fazerem viagens. Vale lembrar que, de acordo com os termos de uso, as contas dos usuários são pessoais e intransferíveis”, diz a nota.
A empresa também informou que nenhuma viagem é anônima e que todas podem ser rastreadas por GPS. “Infelizmente, a violência urbana permeia a vida nas cidades. A ‘avaliação mútua’ após cada viagem é um ponto importante, pois é o grande balizador da qualidade do serviço prestado pelos motoristas parceiros da Uber aos usuários e do tratamento dado pelos usuários aos parceiros. Além de ser anônima, é ela que garante que a plataforma mantenha-se saudável tanto para motoristas parceiros quanto para usuários. Os motoristas parceiros precisam ter média mínima de 4,7 (em uma escala de 1 a 5 estrelas) para continuar na plataforma. Lembrando que o usuário também pode ser desconectado da plataforma se tiver uma média baixa de avaliações ou conduta que viole os termos de uso”, encerrou a nota.
A reportagem também tentou contato com o Sindicato Intermunicipal dos Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários (Sincavir) para comentarem os casos e darem um parecer sobre a insegurança no transporte da capital, mas não conseguiu contato com os telefones informados pelo sindicato.