O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) recomendou, 19 dias antes da morte de uma paciente, de 46 anos, em Divinópolis, no Centro-Oeste do estado, que a Vigilância Sanitária tomasse providências contra a clínica de estética Lorena Marcondes para "evitar prejuízos à saúde do consumidor".
O promotor Sérgio Gildin disse nesta quinta-feira (11/5) que a recomendação foi baseada, principalmente, na negativa do órgão em renovar o alvará sanitário devido “à possibilidade de riscos".
O procedimento investigatório foi instaurado pela promotoria de Defesa do Consumidor em outubro do ano passado depois de representação feita pelo Conselho Regional de Medicina (CRM). A denúncia foi decorrência do caso de um modelo de Belo Horizonte que teve a boca necrosada após harmonização facial.
“Após apuração de uma série de circunstância nesta investigação preliminar, verificamos que havia, na atividade que estava sendo desenvolvida pela clínica de estética, algumas irregularidades e que algumas apresentavam riscos à saúde e a vida dos consumidores, porque eram realizados procedimentos invasivos”, explica o promotor.
Além disso, o estabelecimento estava funcionando com o alvará sanitário vencido desde outubro de 2022. “Que foi negado em virtude do risco sanitário”, completou Gildin. Diante disso, no dia 19 de abril deste ano, ele solicitou à Vigilância Sanitária, por meio da Secretaria Municipal de Saúde (Semusa), que fossem tomadas “providências imediatas” para “controlar qualquer risco à saúde e a vida dos consumidores”.
Alvará negado
No dia 20 de março desde ano, a clínica solicitou à vigilância sanitária a prorrogação do alvará sanitário. O pedido foi analisado pela Junta de Julgamento da Saúde que negou a prorrogação no dia 23 do mesmo mês.
De acordo com o documento que a reportagem do jornal Estado de Minas teve acesso, ao negar, os fiscais citaram o recebimento da denúncia relacionada ao modelo Eduardo Luiz Santos.
Embora o estabelecimento tivesse atendido às determinações anteriores previstas no relatório de inspeção lavrado após fiscalização no dia 8 de dezembro do ano passado, a Junta entendeu que, por si só, não era suficiente para renovação, já que havia a apuração andamento.
No laudo, a Junta citou a ausência do prontuário do modelo que foi solicitado por meio do Termo de Intimação e, até então, não apresentado pela clínica. Ele foi requerido para possibilitar o andamento da investigação relacionada à denúncia.
Ao negar o alvará sanitário, a junta também reconheceu o “risco sanitário”. “Ainda existe a possibilidade de risco sanitário, ocorrido após a inspeção realizada, em função da denúncia recebida”, afirma.
Justificou ainda que a liberação “consciente da possível situação de risco descrita em tal denúncia caracterizaria em crime de prevaricação do agente fiscalizador”.
Embora tenha negado, a clínica funcionou normalmente pelas semanas seguintes, até a morte da paciente, de 46 anos, nesta segunda-feira (8/5). Íris Martins morreu após sofrer parada-cardiorrespiratória durante um procedimento estético.
A suspeita da perícia da Polícia Civil é que a mulher tenha sido submetida a uma lipoaspiração ou lipoescultura, além de enxerto nas nádegas.
Nas redes sociais, a biomédica Lorena Marcondes nomeava o procedimento como “lipo laser” e dizia ser um protocolo sem cortes e desenvolvido por ela. Ela ainda prometia resultados como “os de cirurgias”.
Ela e a técnica de enfermagem, de 33 anos, foram presas suspeitas de homicídio doloso com dolo eventual devido a morte da paciente. Elas foram levadas para o presídio Floramar em Divinópolis. A defesa ainda não se manifestou.
Omissão
A recomendação, segundo o promotor, era para evitar riscos à saúde. Ele prefere não falar em omissão por parte da Secretaria Municipal de Saúde (Semusa) e Vigilância Sanitária. “O fato é que a prefeitura, de certa forma, cumpriu com a recomendação no sentido de realizar a diligência, talvez não tenha sido atendido a nossa expectativa”, analisou.
O documento da promotoria não recomendava diretamente que a clínica fosse interditada. “Isto é uma atribuição do município que tem várias formas de agir, possibilidades de agir, mas a recomendação fala em medidas adequadas”, disse. Para ele, caberia ao órgão adotar aquela que afastasse o risco sanitário. “Existem outras que não a interdição, mas essa não é atribuição do Ministério Público, é da prefeitura”.
“Sem riscos”
A recomendação tem como data 19 de abril, mas foi protocolada na prefeitura no dia 24 do mesmo mês. O órgão alega que foi realizada fiscalização in loco no dia 18 de abril, um dia antes da emissão do documento, e quase um mês depois da Junta de Julgamento da Saúde negar a prorrogação do Alvará Sanitário.
Durante a fiscalização, segundo a prefeitura, não havia “fatos que ensejavam a interdição do local bem como não constataram a prática de nenhum procedimento que não conste no seu regimento interno”.
“Diante dessa situação, não foi feita a interdição da clínica”, informou.
O órgão ainda destacou que “procedimentos irregulares são praticados às escondidas, sem deixar vestígios, sendo de difícil ou quase impossível constatação por meio de fiscalização”.
Trâmites
Em entrevista coletiva nesta quinta-feira (11/5), a diretora de Vigilância em Saúde Erika Camargos disse que a interdição independe de alvará ou não. “O que leva a interdição é o risco sanitário e não um documento somente”, explicou.
Sobre a clínica em específico, afirmou que a liberação do documento estava em processo e que é necessário seguir os prazos legais, como o de recurso.
A situação da clínica é acompanhada desde 2021 quando ela foi interditada pela primeira vez. Na época, o Conselho de Biomedicina foi notificado para que tomasse conhecimento do funcionamento irregular e também para averiguação do exercício da profissão. O alvará foi liberado após serem sanadas as irregularidades em outubro de 2021.
*Amanda Quintiliano – Especial para o EM