Insatisfeita com o serviço de um restaurante na Região Centro-Sul de BH, a pesquisadora de produtos Anna Moura Galdino resolveu fazer uma postagem em um grupo de Facebook relatando um episódio que ela considerou machismo. Em junho, Anna esteve no Gennaro, no Bairro Funcionários, com o companheiro.
"Eu deveria escolher o vinho, a harmonização. Eu quem estava oferecendo a garrafa. Dessa forma, eu quem segui até à adega, eu quem conversei com o sommelier, eu quem escolhi o vinho, eu quem o pagaria (a questão menos importante aqui, no fim). Ainda assim, na hora da prova, só uma taça foi servida e ela foi destinada ao homem que me acompanhava", relatou a pesquisadora de produtos na postagem nas redes sociais.
Anna alegou, também na publicação, que não importa se a prática faz parte da etiqueta. "Fato é que causou uma sensação muito desgostosa de que, enquanto consumidora, o meu direito de escolha não será considerado se eu estou acompanhada de um homem. Isso é grave. É uma microagressão, é violência”, afirma.
Em nota enviada ao Estado de Minas, o restaurante reconheceu o erro, disse que tratou tratou a questão "com a gravidade que lhe é devida" e ressaltou que "o machismo não faz parte da prática do Gennaro". "Houve esse erro, e já nos reportamos à Anna de forma solícita e extremamente compreensiva, tratando a questão com a gravidade que lhe é devida", diz a nota (leia na íntegra no final desta matéria).
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Acusação e defesa nos comentários
Nos comentários da publicação, várias pessoas deram opinião sobre o relato da cliente. Muitos acusaram Anna de estar querendo criar polêmica para aparecer. “Texto muito dramático.” “Fica em casa, dona. Chatice.” “Queria polêmica e aparecer!!!” Outras pessoas diziam que tudo não passava de “mimimi” da cliente e colocaram a culpa da discussão no feminismo.
“Que geração insuportável. Aí eu fui microagredida …. mimimimi. Nem terapia resolve.”
“O tempo que ela gastou escrevendo o texto, era melhor ter usado para arrumar um acompanhante melhor ou um curso de vinhos para aprender o que já é etiqueta. E que se não gosta, basta solicitar ao garçom usando a boca!”
“O que o feminismo tem causado… Eu ficaria brava se o garçom desse a conta para mim. Sobre o vinho, meu marido não bebe e sempre diz que eu irei experimentar. Sem estresse!”
Em outro comentário, um homem relata que esteve no mesmo restaurante na semana seguinte, quem escolheu o vinho foi sua acompanhante e ambos foram servidos para provar a bebida.
Na outra ponta, alguns se solidarizaram com a cliente, sobretudo outras mulheres que também relataram experiências semelhantes em outros estabelecimentos.
“E você percebe como essas microagressões nos afetam de maneira tão delicada e particular quando tem apenas homens aqui te criticando. Para eles é algo tão insignificante, nossa dor, que às vezes nem vale a pena discutir mesmo. Sinta-se abraçada por nós mulheres, que entendemos isso. Eu já passei por situação semelhante e na hora reagi. Mas, é desgastante. Sinto muito por ter passado por essa experiência.”
“Super pertinente e coerente! Infelizmente, o machismo estrutural ainda nos faz ter esses dissabores!”
“Isso é recorrente em restaurantes e bares, uma lástima. Mas se fosse comigo, eu teria dito que quem iria provar o vinho era eu. ‘Marcaria território’. E também conversaria com meu companheiro para que, numa próxima vez, ele também se posicionasse e passasse a taça pra mim.”
Luz para a discussão
Em entrevista ao Estado de Minas, Anna conta que o grupo de Facebook é uma forma dos membros avaliarem os restaurantes que frequentam e descobrem em BH. Ela diz que demorou para fazer a publicação e só decidiu escrever sobre o assunto duas semanas depois do ocorrido.
A cliente lembra que tomou a decisão ao sair para jantar com o melhor amigo e ele reclamar sobre o serviço do restaurante em que estavam. "A gente foi em um rodízio e entregaram a conta pra ele. Ele disse que ficava indignado porque toda vez que saíamos para comer, as pessoas sempre entregavam a conta pra ele. Nesse dia, eu fiquei tão incomodada que dormi pensando nisso e acordei pensativa. Resolvi escrever sobre isso lá (no grupo) porque eu acho que é uma discussão que as pessoas deveriam ter. Eu queria não só que nós não tivéssemos essa experiência enquanto consumidoras, mas que as pessoas pudessem se atentar para esses detalhes", conta.
Ela afirma que não ficou surpresa pela repercussão ter sido mais negativa do que positiva. "Estava esperando que fosse chato, talvez até por isso não tenha postado antes. Imaginei que ia ouvir coisas que não iam ser legais. Ao mesmo tempo, sou militante. Então, não é a primeira vez que uma discussão, no Facebook, termina mal", complementa a pesquisadora de produtos.
Anna destaca ainda que o caso dela não é uma exceção, já que muitas mulheres comentaram que passam por experiências parecidas constantemente em outros locais. "Não é uma experiência particular minha. São várias mulheres, de várias idades falando, nos comentários, que passam por isso por anos. Espero que eu tenha trazido a luz para quem não tinha pensado nisso antes e que as pessoas possam refletir a partir de agora".
A cliente conta que entrou em contato com o estabelecimento para falar sobre o ocorrido. Segundo ela, a resposta dizia que o relato dela era importante para reforçar o treinamento da equipe e que os garçons e sommeliers eram instruídos e treinados a perguntar quem deseja experimentar a bebida.
Ela frisa que a reação do restaurante é muito diferente da de alguns membros do grupo de Facebook nos comentários. "Eles [o restaurante] se dizem preocupados com a prática e estão prestando atenção, querem instruir os funcionários deles. Acho que teve sensibilidade da parte do restaurante."
Serviço clássico e contemporâneo
O professor e diretor da Associação Brasileira de Sommeliers Minas (ABS Minas), Alitton Sousa, explica que existem dois tipos de serviço no mundo, que os bares e restaurantes procuram seguir: o contemporâneo e o clássico.
"Cabe a cada casa escolher o que mais se encaixa. Importante dizer é que, quem pede o vinho sempre fará a degustação – 'aquela primeira provinha' – seja homem ou mulher. Logo em seguida, seguimos com serviço clássico ou contemporâneo', afirma ele.
Sousa diz que, na ABS Minas, os professores transmitem o conhecimento para os alunos e futuros sommeliers sobre os dois tipos de serviços detalhados. "É importante que treinemos a nossa equipe de salão para que todos falem a mesma língua e façam o mesmo serviço", ressalta.
Leia a nota do Gennaro na íntegra
“É triste quando um caso isolado é tomado como se fosse uma prática recorrente do restaurante. O Gennaro é conhecido por ser um estabelecimento inclusivo, consciente e justo em todos os sentidos.
Nossos garçons e o sommelier são instruídos e treinados para perguntar quem vai querer experimentar o vinho ao servir. Faz parte do nosso treinamento formal aplicado em ambas as unidades.
Houve esse erro, e já nos reportamos à Anna de forma solícita e extremamente compreensiva, tratando a questão com a gravidade que lhe é devida. Pois o machismo não faz parte da prática do Gennaro. Apesar de todo o treinamento e cuidado, infelizmente erros acontecem, porque uma empresa é formada por seres humanos suscetíveis a falhas. E o nosso esforço será totalmente direcionado para que casos como este não ocorram nunca mais.
Ficamos muito tristes por ter prejudicado a experiência da Anna, mas também por este caso isolado ter ganhado uma repercussão que não condiz com a experiência positiva de tantos outros clientes que frequentam o restaurante. Seria justo se fosse algo recorrente, mas não é o caso. Recebemos feedbacks positivos de forma rotineira, não apenas em relação ao nosso produto, mas ao nosso atendimento humano e justo.
Gostaríamos muito de ver uma matéria contando a história de mulheres que tiveram sua trajetória transformada por fazerem parte do Gennaro. Abraçamos essa causa até o fim. Faz parte da nossa essência e do nosso propósito.”