“O último dos moicanos”. É assim que Ademir Matias de Almeida, de 69 anos, se autodefine. Em meio a máquinas que já saíram de linha, o senhor simpático de barba e cabelos brancos brinca com o fato de ser um dos últimos tipógrafo em exercício de Belo Horizonte.
Neste Dia do Trabalho, a reportagem de O TEMPO conheceu a “Tipografia do Matias”, como é conhecida a fábrica, que fica em uma casa, no bairro Santa Efigênia, na região Centro-Sul da capital mineira.
“Eu sou o bêbado que anda na contramão e pensa: está todo mundo voltando da festa”, brinca Matias ao explicar sobre ainda trabalhar com tipografia em um universo completamente digital.
Antes mesmo do sol nascer, às 4h30, ele já abre as gavetas de madeiras com os vários tipos – letras ou fontes usadas na tipografia – os separa com cuidado, espera a máquina esquentar e começa a “bater” as letras contra o papel.
“Antigamente eu fazia notas fiscais, talões de rifa e lembranças de luto, atualmente eu faço mais convites de casamento, cartões de visita, cartazes e livro. Mudou mais nos últimos 5 do que nos últimos 50 anos”, afirma.
No extenso galpão, Matias trabalha a maior parte do tempo sozinho e às vezes conta com a ajuda da mulher Eliane Guerra, de 67 anos. Ele lembra que nem sempre foi assim, a fábrica já contou com muitos funcionários, desde que foi aberta, em 1958. Instalada na rua Padre Manoel Rodrigues, a tipografia foi herdada dos pais de Matias.
“Eu nasci e cresci aqui, mas foi com 10 anos que eu comecei a mexer nas máquinas, antes disso era trabalho infantil, não é? Hoje as pessoas começam a trabalhar com mais idade, mas naquele tempo com 10 anos eu já estava na tipografia”, diz o tipógrafo em gargalhadas.
Matias diz que, mesmo com toda a modernidade gráfica, ele nunca pensou em mudar de profissão. “Dizem que se você coloca um sapo na água quente ele pula na hora, mas se você o coloca na água fria, ela gosta, de repente a água vai ficando morninha e ele vai gostando e fica lá. Eu sou igual esse sapo com a tipografia. Eu sempre falo essa história do sapo, ninguém nunca contestou, então deve ser verdade, né?!”, conclui ainda com muito bom humor.
A vocação acabou não passando para as duas filhas, uma é economista e a outra trabalha na área de informática, mas mesmo assim o tipógrafo luta para não deixar o ofício morrer. Ele ministra workshops para jovens, que acabaram sendo chamados carinhosamente de “filhos de tipógrafo”.
Foi por meio desses jovens que a reportagem chegou até Matias. No início ele relutou dizendo que estava muito ocupado com um trabalho para o dia seguinte, mas acabou nos recebendo.
Para iniciar a conversa, precisávamos só esperar o momento em que a máquina iria esquentar e ele não poderia realizar o trabalho. Nesse meio tempo ele conseguiria nos falar com calma da sua paixão. A conversa descontraída terminou com Matias nos presenteando mais que com sua história aqui descrita, mas também com textos que tratam da tipografia, claro, tipografados por ele.
Os Filhos de tipógrafo e a biografia não autorizada
Com o crédito de “filhos de tipógrafo”, os designers gráficos Vitor Paiva, 26, e Gabriel Nascimento, 27, do coletivo 62 Pontos, absorvem os ensinamentos de Matias e tentam manter viva a tipografia. Em um ateliê, também no bairro Santa Efigênia, bem pertinho da fábrica de Matias, eles desenvolvem uma série de trabalhos ligados a tipografia.
“Para o Matias a tipografia é um trabalho que deve ser o mais perto da perfeição. Ele é minucioso, qualquer diferença que dá de uma impressão para a outra já o incomoda. Antes de imprimir ele mede tudo certinho para ficar igual a matriz. Já nós temos a tipografia como arte. Se uma impressão sai diferente da outra a gente gosta, essas falhas nos são interessante”, explica Nascimento.
Um dos trabalhos realizados no ateliê é justamente um livro sobre o tipógrafo que será lançado no próximo sábado (5), data em que Matias completa 70 anos. Intitulado “A Fantástica Tipografia do Companheiro Matias”, o livro conta um pouco da história do tutor dos designers. “Nós apelidamos a obra de biografia não autorizada do Matias, por que nós não fomos minuciosos como ele. Cada livro tem um detalhe de impressão diferente e ele não aprova essas falhas”, brinca Paiva.
O livro conta com frases do tipógrafo que divertem os designers. Foram impressos também alguns objetos que fazem parte da história do tipógrafo como vinis, pneus e réguas. Apesar da brincadeira de livro não autorizado, Matias gostou da homenagem e em um vídeo feito pelo 62 pontos ele diz: “Tira a bunda grande ou pequena da cadeira e vem para o lançamento”, convida o tipógrafo.
Curiosidades
Tipografia. Foi inventada por Johannes Gutenberg, no século XV, e na época foi considerada uma grande inovação tecnológica.
Pontos. A tipografia tem uma medida própria que é chamada de pontos. Tudo que tem 62 pontos e ⅔ é passível de impressão. Por isso é possível imprimir pneus e vinis.
Tipos. Os tipos podem ser tanto de madeira quanto de chumbo. Eses últimos são bem pesados. Alguns tipos são mais raros que outros. Tanto que na tipografia do Matias só ele pode colocar as mãos em algumas letrinhas.