Sétima a discursar na cerimônia de assinatura do Acordo de Paris sobre mudanças no clima, na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, a presidente Dilma Rousseff adotou uma linha cautelosa ao mencionar “o momento” vivido no país. A petista ressaltou a crise vivida na ética e na política brasileira apenas no final de sua fala. “Não posso terminar minhas palavras sem mencionar o grave momento em que vive o Brasil”, afirmou, sem citar os termos “impeachment” ou “golpe”.
Após um discurso mais voltado ao acordo climático, a presidente afirmou não ter dúvida que os brasileiros vão saber impedir “qualquer retrocesso”. “Nosso povo é um povo trabalhador e com apreço à liberdade. Saberá, não tenho dúvida, impedir qualquer retrocesso. Sou grata a todos os líderes que expressaram a mim solidariedade”, concluiu Dilma.
Ao fim do evento, na entrevista ao estilo “quebra-queixo com jornalistas”, a expectativa é de que a presidente aproveite para explicar à imprensa brasileira e internacional o drama que vive no país com o que define como “golpe” a da “traição” do vice-presidente, Michel Temer.
Acordo climático
Dilma assinou acordo fechado em 12 de dezembro do ano passado com representantes de pelo menos 160 países. Assinaram também o acordo chefes de estados como francês François Hollande, o vice-primeiro ministro chinês, Zhang Gaoli, o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, e o secretário de Estado norte-americano, John Kerry.
A intenção é que parte do acordo entre em vigor em 2020. Porém, só será concretizado quando for ratificado por 55 estados responsáveis por, pelo menos, 55% das emissões de gases de efeito de estufa. Após esta etapa de assinaturas, nesta sexta-feira, nos Estados Unidos, ainda será necessária a assinatura do acordo, até fim de abril de 2017, e a ratificação nacional, conforme as regras de cada país, podendo ser por meio de votação no Parlamento.
‘Impeachment’ e ‘golpe’
Na quinta-feira (21/4), cientistas políticos ouvidos alertaram para os riscos de a presidente Dilma aproveitar o espaço para se defender do impeachment. “Ao ir para o exterior, Dilma já indica que entrega os pontos”, explicou o professor da Universidade Federal de Pernambuco, André Régis de Carvalho. “A decisão de falar é uma tentativa de construir uma saída honrosa ao cargo, diferentemente do que fez o ex-presidente Fernando Collor, que saiu como criminoso. É a oportunidade de construir a narrativa de que não sairá nos mesmos moldes.”
“Neste momento, o discurso (dela) não tem efeito diante da decisão do Senado”, pontua o doutor em ciência política e professor da UFPE Adriano Oliveira. “Entretanto, se o futuro presidente Michel Temer não fizer nada num período de seis meses, os setores produtivo e financeiro reagirão. Dentro de meses, se não surtir efeitos, ocorrerá uma ausência no eleitor, que ficará desesperançado e poderá sim, questionar, se, de fato, não deram um golpe na presidente e o país não melhorou.”
É consenso entre os especialistas de que citar “golpe” no discurso da ONU pouco pode afetar a votação pela admissibilidade do impeachment prevista para maio no Senado. “Uma menção sutil provavelmente não deve afetar a votação”, analisa o professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília Paulo Calmon. “Mas a pergunta é se ela quer realmente fazer isso. Se ela quer afetar a posição dos senadores? Ou se ela quer, de certa maneira, apresentar o que ela interpreta como que esteja acontecendo no país neste momento. Então, isso vai variar muito do tom das palavras dela. É muito difícil, nessa altura do campeonato, colocar palavras na boca dela. Não tem nenhuma relevância porque a gente não sabe o que ela vai dizer.”
Segundo ele, o Brasil quer ser uma potência emergente e tem a preocupação geopolítica de se reafirmar no cenário internacional. “Mas, para que isso aconteça, é importante que o país passe para o exterior uma imagem de ser um país que segue o estado de direito e que tem governabilidade democrática, que obedece as leis, as normas e a Constituição.” Para Calmon, o que está em jogo é a governabilidade democrática. “Isso independe da culpa ou inocência da presidente. O que passa a estar em jogo agora é a credibilidade do estado de direito no Brasil e do nosso compromisso com o sistema de governabilidade democrática. É isso que tem de ser enfatizado e é essa a preocupação lá fora.”
Metas desafiadoras
No discurso de hoje, na ONU, a presidente destacou a imensa honra de ir à Nova York para assinar o acordo climático. Considerou que a conclusão do documento, em dezembro de 2015, foi marco histórico para o cumprimento das metas estabelecidas na chamada Agenda 20-30. Elogiou a atuação do governo francês no enfrentamento às mudanças climáticas e, principalmente, da agenda climática que vem sendo cumprida no Brasil. “Tenho orgulho do trabalho realizado no meu país”. Ela agradeceu o “esforço e o trabalho incansáveis” da equipe chefiada pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. “Demos respostas firmes e decisivas aos desafios apresentados”.
O caminho a ser percorrido para o alcance das metas estabelecidas “será ainda mais desafiador”, de acordo com Dilma. “Realizar os compromissos que assumimos exigirá a ajuda de todos os países”, destacou. Ela reiterou o compromisso do Brasil quanto ao papel que deve exercer na luta contra as emissões de gases do efeito estufa, a partir do acordo firmado com nações em todo o mundo. “Estamos cientes de que firmá-lo (o acordo) é apenas o começo, a parte mais fácil”. Ela reforçou que o país mantém o compromisso de redução em até 37% das emissões até 2025 e de 40% até 2030, tendo 2005 como o ano-base.
Outras medidas, como o desmatamento zero na Amazônia, a restauração e o reflorestamento de 12 mil hectares de florestas, a integração de 5 mil hectares de áreas restauradas para a relação lavoura-pecuária-floresta, a recuperação da matriz energética brasileira, entre outros, são metas para o governo brasileiro nos próximos anos. “Meu governo traçou metas ambiciosas”, avaliou.
Correio Braziliense