Jornadas exaustivas, documentos retidos e até cascavel em alojamento. Como a portaria que dificultaria o enquadramento do trabalho escravo no Brasil não vingou, tudo isso ainda continua passível de punição. Só no ano passado, foram realizadas 88 fiscalizações em todo o país, que resultaram no resgate de 407 trabalhadores que viviam em condições análogas à escravidão. A cada dez operações, cerca de duas foram em Minas Gerais, que registrou 15 fiscalizações com 68 pessoas resgatadas. Os dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) ainda são preliminares. Quando a última operação de 2017 for incluída, o número de resgatados em Minas ultrapassará cem.
De acordo com a Superintendência Regional do Trabalho em Minas Gerais (SRT/MG), no último mês de dezembro, 40 trabalhadores foram resgatadas de uma fazenda em Santa Bárbara do Monte Verde, na Zona da Mata mineira. Eles trabalhavam no corte e empilhamento de toras de eucalipto. “As condições eram muito precárias, com ambiente mal-cheiroso e falta de água. Os documentos ficavam retidos. Frequentemente, os trabalhadores encontravam cobras, como cascavel, e não recebiam o equipamento de segurança indicado”, afirma a auditora fiscal Maria Dolores Jardim, que na época era coordenadora do projeto de combate ao trabalho escravo da SRT-MG.
Os garrafões de água eram mantidos distantes dos trabalhadores, que precisavam percorrer cerca de 500 metros em terreno íngreme para beber. Não havia copos individualizados, aumentando o risco de transmissão de doenças.
Segundo Dolores, os empregados, vindos principalmente do Norte de Minas Gerais, eram contratados pela empreiteira JS Comércio de Carvão e Moinha Eireli – ME que, por sua vez, prestava serviços para a ArcelorMittal. “Trata-se de um caso de terceirização ilícita. A siderúrgica não reconheceu o vínculo empregatício, mas arcou com todas as despesas rescisórias e também custeou o deslocamento dessas pessoas para suas cidades. Só as verbas de rescisão somaram mais de R$ 480 mil”, explica Dolores, lembrando que, além dos 40 resgatados, a empresa acertou com 133 empregados ao todo.
Por meio da assessoria de imprensa, a ArcelorMittal BioFlorestas informou que contratou, em julho de 2017, a empresa JS Comércio de Carvão e Moinha Eireli – ME e destacou que, em novembro de 2017, assim que tomou conhecimento das condições inadequadas a que os empregados da JS estavam submetidos, rescindiu o contrato e reteve os créditos do prestador de serviço, para regularizar o pagamento aos trabalhadores.
O Ministério do Trabalho emitiu 31 autos de infração. Segundo a BioFlorestas, eles foram recebidos com surpresa, “uma vez que trata-se de uma terceirização dentro dos parâmetros legais, já tendo apresentado sua defesa”, destaca a nota.
Os relatórios da fiscalização serão enviados aos ministérios do Trabalho e Público Federal (MPF).
Resgates caem 80% em 2017
Em 2017, o total de trabalhadores resgatados de condições análogas à escravidão em Minas Gerais caiu mais de 80%. Foram 68 resgatados, contra 356 ocorrências em 2016, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego. Mas essa queda não significa que o trabalho escravo encolheu. “No ano passado, os auditores fizeram greve em Minas, contra a aprovação daquela portaria que deixaria de enquadrar várias condições degradantes como trabalho análogo à escravidão. Ainda bem que ela não passou”, explica a auditora fiscal da Superintendência Regional do Trabalho (SRT-MG), Maria Dolores Jardim.
Em 2017, foram 88 operações no Brasil, duas vezes e meia a menos do que as 207 de 2016. O diretor do Instituto de Defesa da Classe Trabalhadora, Humberto Marcial, destaca que a precarização do trabalho dos auditores fiscais vai comprometer seriamente o combate ao trabalho análogo à escravidão no Brasil.
“É fato incontroverso que o governo fez cortes no orçamento. Num momento em que o Ministério do Trabalho deveria estar fortalecido, para que o empresariado tivesse melhor visão da legislação modificada com a reforma trabalhista, o governo faz o contrário, reduz investimentos e pode causar ainda mais precarização, pois, sem fiscalização, os patrões sabem que não serão punidos”, afirma o diretor do Instituto de Defesa da Classe Trabalhadora, Humberto Marcial.
Poucos fiscais
Na espera. O Ministério do Trabalho encaminhou ao Ministério do Planejamento pedido de concurso público para preenchimento de 1.190 vagas do cargo de auditor fiscal do trabalho.
Sobre a operação
Denúncia: A fiscalização chegou ao local a partir de denúncia apresentada à Gerência Regional de Juiz de Fora pelo Ministério Público do Trabalho.
Esquema: Os fiscais constataram que os trabalhadores foram aliciados por “gatos” (intermediadores de mão de obra) e eram submetidos às condições degradantes.
Condições: Acúmulo de lixo visível, mal cheiro, fezes de animais, dificuldade de acesso a água e presença de cobras. Não havia equipamentos de segurança adequados.
Fonte: O TEMPO