Analistas estrangeiros e brasileiros que trabalham para consultorias externas chamam a atenção para as semanas imediatamente seguintes à votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff e o risco de o país patinar em um limbo de incerteza, mas ressaltam a solidez das instituições locais.
Para a João Augusto de Castro Neves, diretor de América Latina da consultoria de risco político Eurasia, o Brasil deve se preparar para uma longa ressaca do processo de impeachment, com dificuldades para romper a paralisia gerada pela crise. Antes da votação a consultoria havia elevado para 75% a possibilidade de Dilma não terminar o mandato.
“A única coisa que podemos dizer com certeza é que, independente do resultado, será um longo ‘day after’. O sistema político continuará sendo pressionado pela crise, com Temer ou com Dilma no comando. Ambos, portanto, terão dificuldades em fazer o país sair dessa paralisia”, afirma Castro Neves.
“Acreditamos que [Michel] Temer conseguiria, nomeando uma equipe com mais credibilidade, fazer avançar algumas coisas, principalmente a agenda micro (pré-sal, por exemplo). Mas na agenda macro de reformas, somos mais céticos. O principal risco continuará sendo a Lava Jato. Nesse quesito, nada mudará no curto prazo.”
Quanto ao impacto do processo à imagem externa do país, Castro Neves acha que o principal dano se deve à incapacidade e à demora para sair dessa crise, mas ele não acredita que haverá a percepção de que houve ruptura institucional.
“Em nenhum país do mundo um governo sobreviveria a um escândalo dessa magnitude, com ou sem culpa no cartório”, afirmou à Folha.
Já Christopher Sabatini, professor na Universidade Columbia especializado na América Latina, é preciso agora esperar que “o Supremo Tribunal Federal faça seu trabalho, e rápido, para que o país não fique num limbo”.
Ele ressalta que o placar no Congresso passa uma “mensagem dúbia” para o mundo, diz.
“Por um lado, mostra que as instituições funcionam, o assunto foi resolvido de uma forma prevista na Constituição.” Mas há, ainda “risco de mais incerteza política” se Temer assumir interinamente o Planalto, até o caso se resolver de vez. Até lá, é difícil saber “quem será o último homem em pé” para substituir Dilma, “na medida em que os escândalos de corrupção avançam e implicam potenciais sucessores”.
Com ou sem Dilma, o Brasil continuará com dificuldades para voltar à estabilidade econômica, prevê Harold Trinkunas, chefe de América Latina no centro de estudos Brookings, em Washington.
“A questão básica é se qualquer sucessor da presidente Dilma terá capital político para implementar as reformas necessárias para conduzir o Brasil a um crescimento sustentável”, diz. “Isso parece improvável neste momento”.
Na opinião dele, porém, o processo de impeachment não deve afetar as relações do Brasil com os EUA.
“O governo dos Estados Unidos trabalhará normalmente tanto com a presidente Rousseff como com seu sucessor no cargo. Impeachment é um processo político e constitucional doméstico do Brasil e o governo dos EUA prefere não comentar”, afirmou. “Entretanto, a crise política e econômica no Brasil sem dúvida introduziu alguns atrasos em projetos da agenda comum”.
Mais que isso, a crise provoca uma erosão na influência internacional do Brasil, diz Trinkunas, reduzindo o seu “soft power” (poder de influência).
“Em última análise, uma parte importante da influência global do Brasil é baseada em soft power, o poder de atrair apoio de outros países”, disse. “A crise certamente atinge o poder do Brasil à medida em que as conquistas sociais e econômicas recuam.”