Minas Gerais está vivendo há uma semana a maior série de atentados de sua história articulada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) – organização criminosa de São Paulo que também atua em presídios mineiros. Mas o que, afinal, a facção quer com a ofensiva? De dentro das cadeias do Sul e do Triângulo Mineiro, onde ocorreu o maior número de ataques, os integrantes exigem melhorias nas condições carcerárias, como o fim da superlotação. Mas eles também exigem regalias que teriam sido cortadas, como visitas nas celas e liberação do sinal de telefonia nas penitenciárias que têm bloqueadores de celular – são cinco entre as 200 unidades.
Em Uberaba, no Triângulo, a facção teria perdido poder e dinheiro com a transferência das visitas das celas para os pátios na Penitenciária Aluizio Ignácio de Oliveira. Segundo um agente penitenciário ouvido pela reportagem, que terá o nome preservado por segurança, antes da mudança, há seis meses, as celas ficavam abertas durante a permanência das famílias, e os presos tinham liberdade para circular. “O crime organizado rifava celas para uso e venda de drogas e prostituição. Com as visitas no pátio, sob a vigilância dos agentes, o crime perdeu essa fonte de dinheiro”, afirmou o agente. Segundo ele, a mesma medida será adotada em Uberlândia nas próximas semanas.
Outra revolta dos presos seria a instalação de bloqueadores de celular em alguns presídios. “O celular lá dentro tem mais valor que droga. Na maioria das penitenciárias, o indivíduo é preso, mas faz contato com os comparsas do lado de fora o tempo todo. Cortar o celular isola o preso”, pontuou outro agente.
Análise. Para o delegado regional de Uberaba, Heli Andrade, o motivo dos ataques ainda não ficou claro. “Fala-se em repressão por causa da morte de um elemento em Goiás, falam da rigidez do sistema carcerário em Minas. O sistema tem que ser rígido mesmo. Se não for, tem muita gente lá dentro que poderia transformar tudo em um barril de pólvora”, ressaltou o delegado.
Para especialistas, no entanto, as regalias são apenas parte das reivindicações dos presos diante de um sistema carcerário problemático. “O único direito fundamental suspenso com a prisão é o de ir e vir. Os demais direitos, como habitação de qualidade, alimentação, educação, trabalho e saúde, devem ser garantidos, até mesmo para possibilitar o retorno dessas pessoas ao convívio social. Hoje, o sistema prisional está longe de ter o básico”, pontuou o presidente da Comissão de Assuntos Carcerários da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Minas, Fábio Piló.
O advogado ressalta, porém, que a revolta contra o bloqueador de celular é absurda. “O bloqueador deve existir em todas as unidades, celular não é direito do preso, isso já extrapola o básico”, disse. Segundo ele, para resolver a situação, o governo deve garantir pelo menos o mínimo, já que facções criminosas “ocupam” uma lacuna deixada pelo próprio Estado.
“Elas ocupam esse espaço em razão da inoperância do Estado. Se o Estado investisse um pouco, já mudaria muita coisa, mas não há investimento, pelo contrário, o número de agentes vem caindo a cada dia, e a população carcerária só aumenta, na base de 12% por ano, então, a conta não fecha”, finalizou.
Posição. A Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap) informou, em nota, que todos os presos são tratados de acordo com a lei, sem distinção, e que está buscando resolver os ataques.
Ataques são novidade em MG
Ataques do PCC são novidade em Minas. Até então, a facção agia dentro dos presídios, segundo o sociólogo e pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), Victor Neiva.
Para desmobilizar a facção, ele sugere soltar quem não deveria estar detido, segundo a Lei de Execução Penal (7.210/1984) – como presos provisórios (que não foram julgados). “O cenário de superlotação fortalece as organizações criminosas”. (AD/RM)
Minientrevista
Vagner Marques
Historiador e pesquisador do PCC
Os integrantes do PCC querem direitos ou regalias?
No geral, eles (os presos) sabem que estão em condição de cárcere e violação de liberdade. Mas sabem que essa condição é acompanhada da Lei de Execução Penal, que não é cumprida. Isso permite que o PCC tenha legitimidade entre os presos. As “regalias”, se existissem, seriam a ponta do iceberg. A gente está lidando com superlotação, condições de convívio precárias no cárcere, ausência de acompanhamento médico e espancamento.
A atuação do PCC está crescendo em Minas?
A gente não consegue mensurar isso. Os registros que temos são que não há presença do PCC em Belo Horizonte. E a entrada do PCC se dá nas rebarbas, pelo interior do Estado, como o Triângulo Mineiro. Embora o PCC não tenha entrada na capital, há uma pulverização dos atores em várias regiões do Estado. (RM)