O presidente da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), deputado Sargento Rodrigues (PTB), denunciou nesta terça-feira (3), em entrevista à rádio Super Notícia FM, que policiais militares estariam maquiando boletins de ocorrência a mando do Comando de Polícia Militar do Estado de Minas Gerais. A prática teria o objetivo de reduzir as estatísticas de criminalidade. Na noite desta terça-feira, o Ministério Público de Minas Gerais informou que existe uma investigação a respeito de equívocos em registros de Boletins de Ocorrências (BOs). No entanto, o órgão explicou que detalhes só poderiam ser informados nesta quarta-feira (4).
Segundo a denúncia de Rodrigues, em vez de registrar um crime como roubo, por exemplo, o BO estaria sendo preenchido como se o delito cometido se tratasse de um furto. No caso de tentativa de homicídio, os policiais estariam registrando como lesão corporal. A Polícia Militar (PM) nega a prática.
Apenas neste ano, até maio, foram registrados 1.484 homicídios tentados no Estado, segundo a Secretaria de Segurança Pública (Sesp). Com relação aos roubos, foram 35.253 casos no mesmo período.
O parlamentar afirmou que as denúncias chegam referentes a diversos batalhões da capital e do interior, como Frutal, no Triângulo Mineiro. Nos relatos, policiais teriam contado ao representante da ALMG que as vítimas de roubo, por exemplo, chegam a sofrer uma espécie de pressão psicológica ao registrar o BO. Isso porque os militares perguntam diversas vezes como ocorreu o crime, se o criminoso estava realmente armado e qual arma havia sido usada.
Um policial militar ouvido pela reportagem, que pediu anonimato, confirmou que há a orientação. “O comandante quer reduzir as estatísticas. Isso acontece muito. Piorou demais com a crise financeira pela qual o Estado passa”, afirmou. Para Rodrigues, que diz ter recebido boletins de ocorrência nos quais a maquiagem no delito teria sido feita, três fatores explicam a situação: redução de recursos para a polícia, falta de efetivo e alta do desemprego – que, na visão do parlamentar, aumenta o número de crimes contra o patrimônio.
Na entrevista concedida à rádio, Rodrigues ainda relembrou que, em agosto do ano passado, o promotor Henrique Nogueira Macedo contou em audiência pública que passou por situação semelhante.
Na ocasião, Macedo chegou em seu carro e deparou-se com um bandido armado, que fugiu. Na ocasião, o suspeito foi preso. No entanto, o crime foi registrado como furto tentado. O promotor revelou que questionou o militar e que ele teria respondido: “Doutor, você sabe como é, se colocar roubo aqui para as estatísticas pega mal para gente”, detalhou Macedo na época. Na terça-feira, a reportagem tentou contato com o promotor, mas não obteve sucesso.
O sargento acrescentou que vem denunciado a manipulação de dados desde que a PM era comandada pelo coronel Marco Antônio Badaró Bianchini. À reportagem, o coronel informou que prefere não se manifestar, já que desconsidera qualquer manifestação do deputado.
Análise. Membro do Fórum Brasileiro de Segurança, Robson Sávio informa que, da maneira como o sistema de segurança funciona no Brasil, a possibilidade de suspeição com relação aos registros é uma realidade. Isso acontece, segundo ele, porque não há investimento e articulação entre as polícias Militar e Civil.
Segundo o especialista, um erro no registro de um BO, por exemplo, poderia ser corrigido na investigação da Polícia Civil. “O policial que faz o primeiro registro não continua fazendo as apurações. Seria fundamental ter mais investimento, mas investiga-se o que se quer, e o sistema não funciona de maneira adequada”, afirmou.
Minientrevista
Sargento Rodrigues
Deputado estadual (PTB)
A gente viveu, recentemente, no Estado um momento complicado, que são os ataques a ônibus. O governo do Estado chegou a divulgar alguns dados positivos quanto à segurança pública. Eu pergunto: onde está a peça que não encaixa?
O que aconteceu com a segurança pública? O esfacelamento de suas políticas (…). O comando da Polícia Militar tem maquiado os dados constantemente, os índices de criminalidade de violência. Isso é muito grave. A instituição tem quase dois séculos e meio de existência e não poderia ter se submetido a prestar esse desserviço ao governo do Estado. Infelizmente, hoje, existe claramente um alinhamento ideológico partidário com o comando da PM. Isso foi muito ruim para a instituição. Sob o comando tanto do coronel Bianchini, e agora sobre o comando do Eros de Figueiró. Eu gosto de falar quem são as pessoas responsáveis por essa covardia em maquiar os dados.
Minientrevista
Flávio Santiago
Major e chefe da Sala de Imprensa da PM
Existe alguma orientação do comando para que os militares preencham boletins mudando o crime?
De forma alguma. Hoje temos peneiras de auditagem, mesmo que uma ocorrência seja tipificada de forma equivocada, no momento em que ela chega para a Polícia Civil, a polícia modifica colocando a natureza correta. A segunda peneira é o Centro Integrado de Informações de Defesa Social (Cinds), envolvendo atores tanto da secretaria como do Corpo de Bombeiros, da PM e da Polícia Civil. Quando há uma percepção de equívoco, isso é enviado imediatamente para que haja providências de retificação ou penalização.
Como é a formação dos militares?
Hoje, a PM tem a maioria dos policiais formada em direito. Os policiais têm expertise e entendimento jurídico para a codificação correta. O que acontece é uma ocorrência mais centrada pelo que é correto.
Saiba mais
Antigo. Em 2012, O TEMPO publicou reportagem denunciando que os índices de criminalidade estariam sendo distorcidos em Juiz de Fora, na Zona da Mata. Na época, a reportagem teve acesso a boletins de ocorrência em que as descrições dos crimes não corresponderiam aos históricos relatados.
Associação. O presidente da Associação de Praças Policiais e Bombeiros Militares do Estado de Minas Gerais, sargento Bahia, informou que não tem conhecimento da suposta orientação do comando da PM.
Resposta. A Polícia Civil informou que os registros de ocorrência de crimes são devidamente investigados. Esclareceu ainda que a natureza da infração penal é determinada ao longo da apuração, a partir da instauração da investigação e, consequentemente, da responsabilização do suspeito.