Em menos de um ano, pelo menos duas pessoas foram presas 12 vezes pela Polícia Militar (PM) em Belo Horizonte. Mesmo sendo suspeitos de crimes como tráfico de drogas, furto e porte ilegal de arma branca, esses indivíduos saíram da delegacia pela porta da frente. De janeiro a novembro deste ano, 34,1 mil pessoas foram detidas na capital mineira, conforme a PM. Desse total, cerca de 4.100, ou 12%, foram algemadas mais de uma vez. Até o fim do ano, o índice de reincidência (quem já foi condenado e volta ao crime) ou repetência (quem volta a ser preso sem ter sido condenado pelo crime anterior) pode chegar a 20%.
“É um número que nos traz uma certa preocupação, denota todo um trabalho com a tropa de não deixar de prender. Nosso dever é continuar prendendo até que um dia ele (criminoso) permaneça preso”, diz o comandante do Comando de Policiamento da Capital (CPC), coronel Winston Coelho Costa.
No “top 10”, lista dos criminosos mais presos durante o ano, além da dupla detida 12 vezes, estão outras pessoas que foram detidas 11, nove e sete vezes. Os crimes geralmente englobam furto, roubo, lesão corporal e até homicídio. Para o coronel, há uma junção de fatores que devolvem às ruas esse tipo de criminoso. Além de uma estrutura social que não dá oportunidades para que todos estudem e trabalhem, existe a questão do Código Penal brasileiro. A legislação prevê penas consideradas pequenas para alguns crimes e, em muitos casos, quando a pena é de até quatro anos, a legislação não prevê nem mesmo o encarceramento.
“Eu não posso aceitar que uma pessoa cometa um homicídio e permaneça na cadeia em torno de quatro, cinco anos. Será que uma vida custa essa penalização do autor?”, questiona.
Um exemplo dessa reincidência e ousadia é o “Homem-Aranha”, que escalava prédios na região Centro-Sul para roubar apartamentos. Marcos Alberto Fernandes de Souza invadiu cinco residências em dois meses deste ano, conforme a Polícia Civil. Ele foi detido em maio deste ano, mas já tinha uma longa ficha criminal, com passagens por furto e roubo. A Secretaria de Administração Prisional (Seap), informou que, dessa vez, ele continua preso.
Perfil. Geralmente, os criminosos reincidentes ou repetentes são pessoas já “empoderadas”, que confiam na lentidão ou na ineficiência da Justiça, segundo o comandante do CPC. “Eles sabem que a Justiça não funciona, ou funciona tardiamente. Já praticaram inúmeros crimes e são presos sabendo que em poucos dias estarão nas ruas”, explica.
Além dessa ideia de poder, eles têm em comum a especialização: a maioria se concentra em um tipo de crime. “Cada um vai se especializando naquilo que tem mais facilidade ou entende melhor a dinâmica”, diz o coronel. O comandante enfatizou que o esporte, a escola de tempo integral e várias outras iniciativas poderiam ajudar a evitar que os jovens entrem para o crime. Para os egressos do sistema prisional, ele considera que oportunidades de trabalho reduziriam a reincidência.
Saiba mais
Presos. A Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap) administra 210 unidades prisionais no Estado. São 68.140 presos para 36.142 vagas.
Reincidência. Termo jurídico usado quando a pessoa cometeu um crime, cumpriu a pena e voltou ao crime dentro de cinco anos.
Projeto. Foi publicado no “Diário Oficial do Município” da última terça-feira, a criação de um grupo de trabalho para prevenção à letalidade de jovens e adolescentes para elaborar propostas de ações intersetoriais.
Alteração na lei não diminuiria a violência
FOTO: Denilton Dias |
Coronel Winston Costa diz que, em alguns casos, penas são leves |
O juiz auxiliar da presidência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Thiago Colnago Cabral, considera que o aumento da pena prevista no Código Penal não seria eficiente para reduzir a reincidência no crime. Para o magistrado, programas de apoio e a mudança da realidade social são essenciais para evitar e reduzir a criminalidade.
“Se todos os traficantes fossem presos da noite para o dia, o tráfico não acabaria. Se aumentarmos o aprisionamento e não modificarmos as estruturas sociais, vão aparecer outros (traficantes). A pena controla uma pessoa, e não a prática delitiva”, explica.
Nesse cenário, a segurança pública envolve educação de qualidade e também empregabilidade. “Se não há vagas de emprego para quem está solto, imagina para o preso”, diz Cabral. O juiz lembrou ainda que nos últimos anos houve a aprovação de leis que aumentaram o encarceramento.
“O sujeito que praticasse tráfico até 2011 poderia ficar no (regime) semiaberto. Agora, é só regime fechado”, exemplificou. Ele ainda ressaltou que, se o país escolher prender mais, também terá mais custos, já que um detento custa ao Estado cerca de R$ 5.000 por mês.
Investigação. A Polícia Civil informou, por meio de nota, que há delitos em que o Código Penal determina que o delegado aplique fiança (crimes cuja pena de restrição de liberdade seja de até quatro anos). No entanto, a corporação garantiu que, apesar de não haver prisão, o suspeito é investigado. Posteriormente, com a autorização da Justiça, ele pode ser preso em função de um mandado de prisão.