A mocinha Clara (Bianca Bin) apanha do marido. Sophia (Marieta Severo) humilha a filha que é anã. Na sequência, cenas de racismo e depressão. A novela “O Outro Lado do Paraíso”, da Globo, tem personagens fortes e elenco renomado, mas a crueldade de seus personagens tem afugentado a audiência. A novela anterior, “A Força do Querer”, alcançou média de 46 pontos na última semana (cada ponto equivale a 69 mil domicílios na Grande SP). Na terça, a trama atual teve 32 pontos. O índice não é baixo, mas demonstra queda.
“A direção e o autor conseguem pôr em cena a tensão desejada e, por ser tão real, causa estranhamento e até repulsa em alguns telespectadores”, analisou Elmo Francfort, diretor do Museu da TV.
De fato, falta um respiro ao enredo das nove. Quase não há núcleos leves que possam se revezar com sequências fortes, como de violência sexual. A tensão em que o espectador mergulha não tem fim. “Não podemos comparar o Walcyr Carrasco das comédias das seis com o autor de ‘Verdades Secretas’ (2015), por exemplo”, avaliou Francfort. Carrasco, que escreve “O Outro Lado do Paraíso”, é famoso por ter criado novelas doces, como “Chocolate com Pimenta” (2003), mas também assinou o sucesso das onze que abordou os temas da prostituição e do vício em drogas.
Para Claudino Mayer, doutor em telenovela e professor da Faculdade Progresso, será possível saber se a novela pegou ou não até o fim deste mês. “A aposta do autor foi arriscada. Nas primeiras semanas, quando ele precisa fisgar o público, optou por temas fortes. O telespectador estranha, porque o bem só apanha e não reage. Mas isso deve mudar com a vingança de Clara”.
Trama pode servir de denúncia
Todos os maus-tratos sofridos por personagens vítimas de violência e preconceito em “O Outro Lado do Paraíso” podem ser vistos com outros olhos pelo telespectador, que talvez ainda não esteja acostumado com ritmo mais pesado de trama. “Ter tanta realidade jogada de uma vez só na história fez o público estranhar. Mas tudo depende do ponto de vista que a pessoa tem sobre cada assunto. Algumas já conviveram com violência doméstica ou racismo, outras não tiveram essa experiência”, analisou Claudino Mayer, doutor em teledramaturgia.
Para ele, é importante que as pessoas percebam que tratar desses temas é uma forma de denúncia, e não de propagar a violência. “O autor joga as informações para que o público faça a sua própria interpretação”, completou.