Poltergeist poster / reprodução
SINOPSE
Uma família é visitada por fantasmas em sua casa. Quando eles tem a filha sequestrada pelas entidades, eles vão se unir e buscar ajuda para resgatá-la. Rosemarie DeWitt e Sam Rockwell farão a mãe e o pai da família assombrada. Kyle Catlett, de The Following, viverá um dos filhos, e Nicholas Braun será um dos alunos de Carrigan, papel de Jared Harris, um professor que deixou a vida acadêmica para se tornar uma personalidade da TV especializada em casos sobrenaturais.
CRÍTICA
Dois momentos históricos bem distintos separam o Poltergeist original, de 1982, e o remake de 2015. Colocá-los em perspectiva, um diante do outro, ajuda a entender como a nova versão perde pegada na dramaturgia, embora conserve a energia de descompromisso dos terrores cômicos na linha de Joe Dante e John Landis.
Em 1982, o primeiro filme ainda repercutia o desencanto com o sonho americano nos anos 1970. Os protagonistas – um bem-sucedido agente imobiliário e sua esposa – levavam num subúrbio planejado a vida perfeita da classe média, ele lendo um livro sobre o presidente conservador Ronald Reagan, enquanto o hino nacional toca na televisão. Quando o fenômeno do poltergeist e a revelação de um cemitério violado no local surgem, é como se o próprio american way desabasse com o sobrado da família Freeling.
Já a nova versão – que troca os nomes dos personagens mas preserva a premissa e as viradas – sai quase dez anos depois do começo da crise financeira global provocada pelo escândalo de empréstimos hipotecários nos EUA. O mercado imobiliário já é o “vilão” a priori, portanto – o que fica claro logo na primeira cena do remake, quando a família Bowen chega em seu novo bairro, vizinho a uma rede de distribuição elétrica, e a filha mais velha (como uma boa millennial socialmente consciente) já reclama que “pode sentir os tumores crescendo” no corpo.
É castigado pela crise que o casal protagonista – Sam Rockwell e Rosemarie DeWitt, ele no papel de um “colarinho azul” recém-desempregado e ela uma escritora frustrada – chega à nova casa, o sobrado barulhento e mal localizado que seu dinheiro pode pagar. Antes dos fantasmas aparecerem – nesses nossos tempos de papéis sociais reescritos (o marido insiste que a mulher se realize profissionalmente) – o que assombra a família é a perspectiva de encarar uma vida à moda antiga no subúrbio.
Do ponto de vista da dramaturgia, então, não há um “despertar” possível neste filme como havia em 1982. O novo Poltergeist é consideravelmente mais inofensivo, nesse sentido, do que o primeiro filme – que inclusive já fazia, no seu jogo de assustar e entreter com o fantástico, uma escolha bastante consciente pelo terror sem grandes hostilidades. No filme de 2015, o arco dramático que cabe é apenas a boa e velha superação que reunirá a família em crise – e é engraçado, para não dizer patético, ver Rockwell verificando as brocas da furadeira como se estivesse limpando suas armas de fogo, para se impor como o homem da casa.
O que torna o novo Poltergeist um passatempo bastante digno é que o roteiristaDavid Lindsay-Abaire e o diretor Gil Kenan (que antes saiu-se bem no terror teencom A Casa Monstro) também sabem que filme podem fazer, e sua escolha consciente é pelo lúdico. É na base da brincadeira que eles atualizam o original (a menção irônica a cemitérios malditos durante o jantar), multiplicam o terror tecnológico (a televisão é só uma de muitas telas pela casa) e encaixam até a atual estética “caseira” em primeira pessoa dos filmes de found footage (no ponto de vista do drone).
E há o trabalho de câmera, que vale uma análise à parte.
Sobrados são, tradicionalmente, espaços de terror no cinema americano por sua partição: do porão ao sótão, cada cômodo independente serve para isolar personagens, e é da sensação de solidão que vem boa parte do medo. O que Gil Kenan faz em Poltergeist para desarmar o medo e transformar seu filme numa experiência lúdica é investir em planos-sequências que fazem o espectador passear pela casa, sem o pavor de se sentir perdido, espacialmente. O movimento da câmera em si, lento, à meia-altura e sem sobressaltos, parece nos colocar no banco de uma montanha-russa; embora personagens estejam sozinhos em algumas cenas, nós seguimos na “segurança” do passeio guiado.
O novo Poltergeist se oferece como o oposto de um filme como Invocação do Mal, por exemplo, em que a operação de minar a noção de espaço do espectador é o que provoca mais medo. Aqui, a lógica é a do espanto esperado: somos “colocados” de frente para a ação, antevemos quase sempre quando e de onde ele virá. É na sua combinação de efeitos visuais e de som (e também num uso competente do 3D, como na cena da broca) que Poltergeist potencializa esses momentos, e sem o componente do medo o que sobra é o prazer do susto, apenas.