TRIÂNGULO E SUL DE MINAS. Na zona rural de São Bento Abade, no Sul de Minas, as famílias se trancam em casa e permanecem em silêncio diante da aproximação de qualquer veículo ou pessoa estranha, mesmo durante o dia. Em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, a auxiliar de serviços gerais Janaína Maria, 45, monitora compulsivamente, por telefone, a filha, de 18, que precisa pegar ônibus para ir e voltar da escola. A mudança no comportamento dessas pessoas é consequência de uma verdadeira guerra travada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa de São Paulo, com o poder público em Minas. Mas, quem paga pelos danos provocados por ao menos 110 ataques a ônibus, veículos e prédios públicos é a população.
Durante três dias, a reportagem de O TEMPO percorreu cerca de 500 km, passando por cinco cidades – Uberlândia, Uberaba, Passos, São Bento Abade e Guaxupé – das 40 onde foram registrados ataques. Mais do que um clima de pavor por não saber se vão voltar bem para casa, moradores desses lugares compartilham a necessidade de se “adaptar” à violência enquanto as autoridades de segurança não conseguem dar um basta nela. “Quem é mãe sabe como ficamos preocupadas. Mas não tem como deixar de ir à escola. É preciso encarar o medo”, lembra Janaína.
Na Escola Municipal Paulo Afonso Vilela, em São Bento Abade, onde três ônibus escolares foram incendiados na noite de terça-feira, as aulas chegaram a ser suspensas por um dia, mas a secretária municipal de Educação Claudineila Rezende de Oliveira conta que metade dos 400 alunos do primeiro ao quinto ano do ensino fundamental não têm ido às aulas. Ela afirma que as crianças e os pais estão apavorados, temendo novos atentados.
“Eles estão com medo de mandar os filhos para a escola. A gente retomou o transporte escolar, mas a frequência caiu bastante. Estamos tentando passar tranquilidade a todos. Estou recebendo ligações de mães desesperadas, pedindo pelo amor de Deus que eu pare com o transporte escolar, com medo. Mas, é uma coisa que eu não posso fazer, pois é um direito dos alunos”, lembra Claudineila, que pretende se reunir com os responsáveis pelas crianças.
Tensão. Apesar das orientações da secretária de Educação, a dona de casa Siléia Aparecida Pereira, 48, que mora em uma fazenda a 12 km de São Bento Abade, só deixou que as filhas, de 12 e 18 anos, fossem à escola na sexta-feira. Mesmo assim, com “o coração na mão”. “Rezo para que Deus mande minhas filhas de volta, sãs e salvas. Minha menina mais nova está com tanto medo que nem quer ir à aula”, conta Siléia, que, ao ver o carro da reportagem chegar à fazenda, correu para dentro do imóvel.
As meninas saem de casa às 6h20, quando passa o escolar, e retornam pouco antes das 13h. O acesso à fazenda é por uma estrada de terra, entre plantações de café e milho. “Isto, de queimar ônibus, antes só acontecia lá fora. Era lá em São Paulo e agora aconteceu aqui. A gente nunca na vida espera isso”, lamenta.
Distante dali 3 km, o lavrador Anderson Ramos de Souza, 29, compartilha da mesma preocupação. “Tenho enteadas, de 8 e 11 anos. Minha mulher e eu estamos preocupados. Do jeito que está, eu fico meio cismado com elas irem pra escola”, comenta Souza, lembrando que a mulher dele tem receio de ficar em casa sozinha com o bebê de 3 meses enquanto ele trabalha.
Temor se espalha, e cidade fica deserta durante a noite
Em Passos, no Sul de Minas, uma das cidades com mais registros de ataques, os moradores estavam apavorados, principalmente nos bairros onde aconteceram os crimes. A dona de casa Antônia de Fátima, 65, trabalha na colheita de café e diz estar com medo depois que incendiaram um ônibus que transportava funcionários de um frigorífico, na porta da casa dela, no bairro Coimbras. “Meu carro não sai da garagem”, revela.
Em Guaxupé, na mesma região, à noite, as ruas têm ficado desertas. Seis ônibus foram incendiados na cidade. “Isso é coisa do PCC, que fica fazendo esse terror. Está perigoso”, conta o dedetizador Nivaldo da Silva, 53.
Violência apresenta facção a estudantes, que estão abalados
As crianças da Escola Municipal Paulo Afonso Vilela, em São Bento Abade, mal sabem o que é o Primeiro Comando da Capital (PCC) – organização criminosa paulista que estaria ordenando os ataques em Minas –, mas têm uma resposta na ponta da língua quando questionadas sobre quem ateou fogo aos ônibus: “São homens do mal. Eu acho que é um homem da cadeia, que é o chefão da quadrilha, que mandou outros colocarem fogo nos ônibus”, disse uma menina de 9 anos, que terá o nome preservado. “Estou com medo. Antes, eu saía de casa à noite com a minha mãe. Agora, não fazemos mais isso”, comentou a menina.
Uma estudante de 12 anos se diz espantada. “Eu cheguei aqui na escola e vi o ônibus todo derretido. Fiquei apavorada. Minha mãe só me deixa sair até o passeio da minha casa agora”, lamenta.
A forma violenta como as crianças passaram a conhecer a facção tem deixado marcas, diz a diretora da escola, Marcilene Aparecida da Silva. “Sinto que as crianças estão com medo e até com um pouco de revolta. Os ônibus queimados há muitos anos prestavam serviço à população, e até ex-alunos ficaram tristes”, afirma.
A secretária municipal de Educação, Claudineila Rezende de Oliveira, disse que conseguiram contornar a situação do transporte escolar, mas que está difícil trabalhar a parte psicóloga de alunos e funcionários. “Estão todos muito abalados”.
Saiba mais
Prejuízo. A Escola Municipal Paulo Afonso Vilela, em São Bento Abade tem 400 alunos. Na cidade, ainda há uma escola estadual, com 720 estudantes, e uma creche da prefeitura com ensino infantil. Desse total, 200 alunos são da zona rural e dependiam dos seis ônibus escolares para o transporte. Quatro ônibus estão rodando, um deles com a lateral danificada pelas chamas.
Quebra de rotina. Com cerca de 5.000 habitantes, São Bento Abade é uma cidade tranquila. “Praticamente não temos crimes violentos. Os casos mais frequentes são relacionados à Lei Maria da Penha, ameaças e danos”, conta o soldado Saymon Taylor, do destacamento local da Polícia Militar. Na cidade, atuam seis policiais em duas viaturas.