Seguindo a onda do cordão umbilical, pais têm pago pelo armazenamento da polpa de dentes de leite dos seus filhos, que pode dar origem a células-tronco.
Embora os entusiastas digam que esse material poderá ser útil no futuro no tratamento de doenças como alzheimer e diabetes, ainda não existe comprovação que essas células tenham tal potencial.
A bancária Cristina Bittencourt, cujo pai morreu há nove anos por uma disfunção da medula óssea, aos 66 anos, diz que o congelamento dos dentes dos filhos Felipe, 10, e Catarina, 7, foi uma “segurança a mais” para o futuro. “O que eu pago por ano é o preço de dois pares de sapato.”
Em média, as empresas que já oferecem o serviço em São Paulo cobram R$ 2.000 iniciais mais R$ 400 por ano pelos serviços de coleta, multiplicação das células e criopreservação (congelamento em condições especiais).
José Ricardo Ferreira, proprietário da R-Crio, diz que o negócio ainda conta com poucos clientes. Dentista de formação, ele espera ter retorno do investimento em cinco anos. Ferreira diz que mesmo o dente do siso, para quem já está um pouco mais velho, pode ser utilizado.
Outro entusiasta é Nelson Lizier, biotecnólogo que concluiu o doutorado com a produção em larga escala de células-tronco da polpa dentária. Ele é diretor-científico do Centro de Criogenia Brasil, que também oferece o serviço.
Ele afirma que já existem duas pesquisas em andamento para a aplicação das células: uma em lesão de córnea e outra para enxertos ósseos.
Para outras doenças, no entanto, os tratamentos ainda estão sendo feitos em animais, com formação de células produtoras de insulina no pâncreas (para diabetes) e de novos neurônios a partir das células-tronco (para doenças neurodegenerativas).
“A gente não sabe o dia de amanhã, creio que muitos benefícios vão surgir”, afirma o químico Kléber Vasconcellos, que não tem nenhuma doença na família mas decidiu armazenar a polpa do dente de leite do filho Vitor, 10.
RESSALVAS
Procurada pela Folha, a Anvisa afirmou que as empresas podem oferecer o serviço de criopreservação, mas sem prometer tratamento para nenhuma doença, fato que elas devem deixar claro no contrato firmado com os clientes.
A pesquisadora Monica Duailibi, da Unifesp, conta que muitos estudos clínicos ainda estão em fase inicial, ou seja, a sua própria segurança ainda está em xeque. Por isso, diz, os consumidores têm que ter cuidado.
A pesquisadora do Instituto Butantan e orientadora de Lizier na pós-graduação, Irina Kerkis, afirma que é importante que as pessoas estejam cientes de que podem pagar durante anos por um serviço de que nunca vão necessitar.
Ela cita ainda o risco de perda de viabilidade, que ocorre com o tempo ou mesmo por negligência de um funcionário que deixou a temperatura do nitrogênio líquido –onde são guardadas as células– subir.
Irina acredita, porém, que como a origem embrionária da polpa do dente de leite é compartilhada com a dos neurônios, é provável que se torne possível tratar doenças neurodegenerativas assim.
Ela defende que o governo invista na área, inclusive com a criação de bancos públicos de células-tronco.