A falta de verba e o preconceito social barram a construção de pelo menos 40 novas unidades da Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (Apac) em Minas Gerais. Se erguidas, elas poderiam dobrar o atendimento a sentenciados (hoje, são 38 Apacs no Estado) e aliviar o superlotado sistema prisional, onde o custo mensal de um preso é R$ 2.700. Nas Apacs, o valor diminui para R$ 1.050. Mas a crise econômica que persiste no país tem dificultado a expansão das associações. “Há mais de três anos, o país vive uma profunda crise econômica, política, de valores e de liderança”, avalia Valdeci Ferreira, diretor executivo da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), entidade que congrega as Apacs.
Em Minas, a maioria dos 40 projetos está parada há cinco anos, mas a atual administração tem tentado tirar o atraso. “Há uma boa vontade do governo, o problema é nacional. Mas sou otimista, acho que estamos caminhando”, completou Ferreira. Segundo a Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap), em 2015, havia 2.573 vagas em Apacs; hoje são 3.373, e há previsão de chegar a 3.578 no segundo semestre – aumento de 1.005 vagas, ou 59%, em quatro anos.
Ferreira afirma que há dezenas projetos arquitetônicos prontos, e até terrenos e Apacs juridicamente constituídas, mas não há recurso para a construção. Segundo Tatiana Flávia Faria de Souza, gerente de convênios da FBAC, construir uma Apac com capacidade para 84 recuperandos custa cerca de R$ 4,5 milhões, cifra que é recuperada em pouco tempo, uma vez que “o valor para manter os presos na Apac é um terço daquele do sistema convencional”.
Além de mais baratas, as Apacs prometem um maior índice de ressocialização. Nas unidades, os trabalhos são quase todos realizados pelos internos, e não há superlotação. Eles são responsáveis, inclusive, pela segurança da unidade. “Não existem armas nem agentes penitenciários. Todas as chaves estão nas mãos dos recuperandos”, detalha Ferreira. Assim, o custo com funcionários é menor, e as unidades contam ainda com a ajuda de voluntários.
Entrave. Juiz titular da Vara de Execuções Penais de Belo Horizonte, Luiz Carlos Rezende e Santos afirma que o preconceito também é um empecilho, uma vez que a metodologia de implantação exige que a comunidade faça uma “escolha” pela Apac. “As pessoas têm que querer mudar o sistema prisional. Mas há o preconceito de que o criminoso tem que sofrer e é irrecuperável”, considera.
A sugestão do juiz é que o Estado crie uma subsecretaria para tratar exclusivamente das Apacs. Desse modo, as unidades teriam orçamento mensal próprio para pagar contas básicas. Por meio de nota, a Seap informou que está à disposição das ideias do magistrado e tem interesse em colaborar com os projetos e colegiados do Tribunal de Justiça.
Unidades não abrigam facções
Nas 38 Associações de Proteção e Assistência ao Condenado (Apacs) de Minas, não há registro da presença de facções criminosas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) – suspeita de coordenar ataques a mais de cem ônibus e prédios públicos no Estado neste mês.
Para o diretor executivo da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados, Valdeci Ferreira, as facções se sustentam por uma lacuna deixada pelo Estado, o que não acontece nas associações. “Às vezes o filho do preso está doente, a família não tem dinheiro para comprar o remédio, e a facção manda o dinheiro. O preso fica duplamente preso”, explica. Nas Apacs, eles usam uma abordagem que é conhecida como “metodologia de presença”, que acompanha de perto a família do recuperando.
Para o pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) Victor Neiva, o processo rigoroso de entrada na Apac evita que integrantes de facções consigam vaga.
Minientrevista
Carlos Soares
34 anos, Segurança e ex-recuperando de Apac
Como foi sua chegada à Apac?
Surpreendente. Quando a gente chega, os funcionários retiram nossas algemas. Eu senti a diferença no comportamento dos profissionais, eles me trataram com carinho. Eles me disseram que, se eu cumprisse o regulamento, não teria dificuldade. Quando entrei na Apac de Santa Luzia, eu vi a oportunidade de mostrar meu valor. No sistema comum isso não é possível, as pessoas ficam com um pé atrás. Quando saí da Apac, só conhecia os funcionários e voluntários. Eles que me levaram em casa, e alguns são até meus padrinhos de casamento.
A Apac ajuda na recuperação dos sentenciados?
Eu acredito que a recuperação da pessoa começa assim que ela é presa. A Apac é como se fosse a última etapa, na qual são retiradas todas as manias do sistema comum, como agressão e droga. Mas acredito que a transformação completa é em Jesus. A Apac é uma ferramenta. Hoje eu trabalho como segurança e teria muita dificuldade de respeitar hierarquia, por exemplo, se tivesse saído do sistema convencional.
Como está sua vida hoje?
Há seis anos eu trabalho com carteira assinada. Eu me formei, me casei e sou pai de duas filhas: uma de 5 anos e outra de 7 meses. Errei com Deus, com a sociedade e com minha família, mas me arrependi.