Dois anos e cinco meses após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, na região Central do Estado, alguns dos atingidos pela tragédia enfrentam dificuldades básicas como a realização do cadastro e o recebimento do cartão emergencial. Denúncias de ineficiência contra a Fundação Renova (responsável por atender os atingidos) fizeram com que sete instituições mineiras e capixabas – entre elas o Ministério Público Federal (MPF) – dessem uma espécie de ultimato à entidade: na quarta-feira (4), elas enviaram à fundação uma proposta de reformulação sob pena de acionar os responsáveis judicialmente.
“O direito dos atingidos tem sido desrespeitado com a falta de ações das empresas (Samarco, Vale e BHP, responsáveis pelo rompimento da barragem) e da Fundação Renova para dar um mínimo de dignidade às vítimas”, disse o procurador do MPF José Adércio Leite Sampaio.
A Renova tem 18 dias para responder se vai ou não acatar as recomendações. Caso não acate, ela será acionada na Justiça. A iniciativa foi anunciada na quinta-feira (5) em coletiva de imprensa com a presença de representantes do MPF, do Ministério Público do Trabalho de Minas e dos Ministérios Públicos e Defensorias Públicas de Minas e do Espírito Santo.
Detalhamento. O documento enviado para a Renova pede uma transparência maior por parte da instituição. “Até para o Ministério Público, a fundação tem criado obstáculos para fornecer informações que deveriam ser públicas”, disse o procurador. De acordo com ele, os cadastros dos atingidos também precisam ser repensados, pois envolvem muita burocracia e, em alguns casos, ainda não foram feitos.
A terceira recomendação tem relação com ações emergenciais que ainda não foram adotadas. Outro ponto é a indenização. Existe um programa que está “longe do ideal”. “Esse programa tem sido objeto de todo tipo de pressão e chantagem por parte da fundação para que os atingidos, numa absoluta situação de vulnerabilidade, concordem”, explicou o procurador. A última questão é a assistência jurídica aos afetados, que não deveria ser descontada da indenização.
Empresas
Apoio. Samarco, Vale e BHP reiteram compromisso com os esforços da Renova pelas negociações de acordo com as partes, “permanecendo à espera do retorno do Ministério Público” já pactuado.
Posicionamento
Fundação. A assessoria de imprensa da Renova disse que a recomendação dos Ministérios Públicos “aborda questões que já vêm sendo tratadas e estão passando por evoluções”. “Os reflexos desses avanços nos programas são resultado de uma construção coletiva contínua”. A fundação informou que prestará todas as informações sobre o avanço dos programas.
Pesquisa. Além disso, a Renova informou que mobiliza diariamente equipes de campo orientadas por áreas especializadas em direitos humanos e compliance para buscar as soluções para todos os atingidos. Essas equipes são formadas por profissionais da Renova e também “por uma soma de esforços individuais e de dezenas de entidades oriundas de órgãos públicos, de organizações civis, de empresas, de universidades e instituições de pesquisa, além de representantes das comunidades atingidas”.
Mulheres vítimas denunciam discriminação de gênero
Mulheres vítimas do rompimento da barragem relataram aos órgãos competentes que há discriminação de gênero por parte da Fundação Renova. “Enquanto mulher, a gente acaba se identificando com a questão. Há uma discriminação com relação ao trabalho da mulher”, considera a defensora pública do Espírito Santo Mariana Andrade Sobral. Segundo ela, o trabalho da mulher está sendo considerado pela Fundação Renova, muitas vezes, como complementar e suplementar ao trabalho de seus companheiros: “Ou seja, há um desrespeito à independência que ela (mulher) tinha antes do rompimento da barragem (de Fundão)”.
A defensora exemplificou a situação com o caso de uma atingida identificada como Edna. A Fundação Renova chegou a propor que a moradora de Linhares (ES) retirasse uma ação na Justiça. “Ela era vítima de violência doméstica e foi colocada pela fundação para negociar com seu ex-companheiro. Na época, ela tinha uma ação judicial. A fundação exigiu que ela desistisse de sua ação. De certa forma, houve uma pressão de seu companheiro para ela desistir de sua ação, desrespeitando sua autonomia e vontade”, contou Mariana Sobral.
Posicionamento. Perguntada sobre a questão das mulheres, a Fundação Renova informou, por meio de assessoria de imprensa, que o trabalho da entidade “é pautado pelo respeito aos direitos humanos de todas as pessoas com as quais se relaciona, sem tolerar qualquer tipo de discriminação por origem, raça, cor, gênero, idade, orientação sexual, religião ou opinião política, entre outros, em seus programas, projetos e ações, incluindo as indenizações”.