Um drama que chegou mais cedo, com a tendência de permanecer por mais tempo do que em anos anteriores. Este é o panorama da seca neste ano em Minas Gerais. Os efeitos severos da estiagem prolongada foram antecipados e motivaram a publicação pelo governo do estado, desde 10 de maio, de decreto da situação de emergência em 130 municípios mineiros, dos quais 91 localizados no Norte de Minas, onde milhares de moradores de comunidades rurais já sofrem com a falta d´água para o abastecimento humano. Em anos anteriores, o flagelo chegou em agosto, no pico da estiagem. Além da escassez hídrica, o clima seco liga o alarme para a necessidade prevenção contra o maior risco de incêndios florestais.
Para piorar, a previsão é que, o período de intempéries da “seca braba” será maior em 2023, com a demora na chegada da nova temporada chuvosa, como prevê o meteorologista Ruibran dos Reis, do Climatempo. Ele salienta que, devido ao fenômeno El Niño, a estiagem deste ano deverá ser mais demorada. “Isso significa que a estação chuvosa no Norte e Nordeste de Minas vai atrasar. As chuvas somente vão chegar em novembro. A seca será bastante severa. Poderemos ter dias ruins a partir de julho, (com) ausência de precipitações e baixa umidade do ar”, prevê Ruibran, chamando a atenção também para os riscos de incêndios florestais.
Os impactos da estiagem foram antecipados neste ano no Norte de Minas porque a temporada chuvosa 2022/2023 terminou antes do esperado. A partir de fevereiro não foram registradas densidades pluviométricas significativas nessa parte do estado. “A estação chuvosa no Norte de Minas até janeiro foi muito boa. Mas, nos meses de fevereiro e março, não tivemos chuvas na região”, relata Ruibran dos Reis.
Na segunda quinzena de abril e no início de maio, salienta o meteorologista, foram registrados baixos volumes de chuva na região, que serviram mais para a pecuária, criando o fenômeno da “seca verde”, com a vegetação crescendo, mas mananciais vazios e sem o reabastecimento do lençol freático.
O engenheiro agrônomo Carlos Juliano Brant Albuquerque, professor dos cursos de Agronomia e Zootecnia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que também é produtor rural no Norte de Minas, confirma que, de fato, as chuvas esparsas de abril fizeram ressurgir na região o fenômeno da “seca verde”. Porém, pondera, “não foi bom para a pecuária, pois faltou chuva para a rebrota do pasto. Consequentemente, houve o agravamento da seca, com dificuldade para alimentação do gado”.
MENOS CHUVAS Na quinta-feira, a Administração Nacional de Atmosfera (NOAA) dos Estados Unidos alertou que o fenômeno El Niño foi formado neste ano com uma antecipação de pelo menos um mês. Segundo os meteorologistas da agência americana, o fenômeno climático tem 56% de chances de ser considerado forte, elevando a temperatura da terra, com mais impactos nas regiões semiáridas.
“Quando se forma o El Niño, temos chuvas acima da média no sul do Brasil e poucas precipitações no norte e nordeste do país, o que atinge o Norte e Nordeste de Minas Gerais. Então, podemos esperar um final de inverno com temperaturas acima da média histórica e uma primavera muito quente nessas regiões”, prevê Ruibran dos Reis.
CAMINHÕES-PIPA Milhares de moradores de localidades rurais do Norte de Minas já sofrem com o pior efeito da seca: a falta de água potável. As prefeituras da região se viram como podem para atender as populações atingidas, mas esbarram na carência financeira. Por isso, aguardam socorro do governo do estado para contratar caminhões-pipa, a fim de levar o recurso hídrico para todas famílias de flagelados.
Por meio da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec), o governo do estado prepara processo licitatório para a contratação dos caminhões-pipa, a fim de socorrer todos os 130 municípios que tiveram a situação de emergência reconhecido em decreto estadual. O quadro emergencial nas referidas cidades também foi reconhecido pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil.
Já em abril, a Cedec lançou o “Plano Estadual Seca 2023”, orientando as prefeituras sobre o encaminhamento do Plano Municipal de Distribuição de Água Potável (PMDA) e de outros documentos para o recebimento dos caminhões-pipa e outras formas de ajuda humanitária, além de recursos públicos. O trabalho de orientação também é feito pela Associação dos Municípios da Área Mineira da Sudene (Amams).
Agente regional da Defesa Civil Estadual no Norte de Minas – vinculada à 11ª Região da Polícia Militar (RPM), o sargento Amadeus Mendes Lourenço solicitou à direção da Cedec a antecipação do envio dos caminhões-pipa às comunidades que já sofrem com a estiagem. Segundo ele, os volumes de água destinados a cada município
Ele lembrou que o número de caminhões-pipa a serem destinados a cada município será definido de será definido de acordo com o PMDA preenchido por cada prefeitura. De acordo com o sargento, ainda não há um levantamento do total famílias que precisam do socorro na região castigada pela falta de chuvas. Deverão ser realizados três pregões eletrônicos presenciais para a locação dos caminhões-pipa pelo governo do estado nas cidades de Montes Claros e São João do Paraíso, no Norte de Minas, e em Araçuaí, no Norte de Minas e em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha..
Sofrimento que nem o São Francisco resolver
Um exemplo da antecipação das consequências destrutivas da estiagem no Norte de Minas está em São Francisco, município de 56,6 mil habitantes. A cidade, que está em situação emergência, é cortada pelo Rio da Unidade Nacional que lhe dá nome e, mesmo assim, sofre com seca histórica, principalmente, devido à grande extensão territorial, de 3,308 mil quilômetros quadrados.
De acordo com a Defesa Civil Municipal, além de “a chuva ter ido embora mais cedo”, o volume pluviométrico em São Francisco reduziu na última temporada chuvosa. Entre outubro de 2022 e fevereiro deste ano, o volume registrado na zona rural de São Francisco foi de 796,2 milímetros, praticamente 200mm a menos do que os 995,6mm da temporada anterior (outubro 2021 a fevereiro de 2022).
O superintendente de Defesa Civil de São Francisco, Romenig Barbosa Martins, disse que, atualmente, 14,7 mil famílias de 50 comunidades rurais do município precisas ser abastecidas, tendo em vista que dezenas de rios e córregos das localidades secaram. O problema é que a prefeitura conta somente com dois caminhões-pipa, insuficientes para levar água para tanta gente.
Romenig diz que os dois veículos da prefeitura só conseguem atender a contento 5 mil famílias. Para evitar que as outras 9,7 mil famílias passem aperto por falta d água, a municipalidade precisa de mais seis caminhões-pipa, que estão sendo aguardados da ajuda governamental.
“Estamos contando os minutos para que os caminhões-pipa sejam liberados pela Defesa Civil Estadual, o que será um grande reforço para auxiliar toda a nossa população rural, que sofre tanto com a falta de água potável”, diz o representante da Prefeitura de São Francisco.
“A destinação dos caminhões-pipa vai ser muito importante. Somente quem mora ou já morou em uma área sem o recurso sabe o que é a dificuldade de não ter água potável dentro de casa”, diz Romenig..
Outra cidade norte-mineira que já sofre com a drama da estiagem e está em situação de emergência é Monte Azul, de 20,5 mil habitantes, onde, de acordo com o coordenador municipal de Defesa Civil, Robson Fernandes de Oliveira, cerca de 5,7 mil pessoas sofrem com a escassez hídrica na zona rural.
Segundo Oliveira, devido à limitação financeira, a Prefeitura de Monte Azul conseguiu alugar somente dois caminhões-pipa, suficientes para socorrer metade dos flagelados da seca. Por isso, está na expectativa do envio de ajuda da Defesa Civil estadual às demais famílias atingidas. “A população rural do nosso município vem sofrendo muito com a falta de água para o abastecimento humano e também com a falta de água para dessedentação dos animais”, lamenta o coordenador de Defesa Civil de Monte Azul.