E depois de a reportagem do Estado de Minas denunciar que a estátua do Juquinha, um dos símbolos da Serra do Cipó, está em processo acelerado de deterioração e sendo alvo de vândalos, a artista plástica que eternizou o sorriso do ermitão das montanhas conta mais sobre a história do personagem da sua infância e do prazer que sente por a imagem ser tão querida.
Com uma típica e hospitaleira mesa de café, repleta de bolos, frutas, bolachas e outros quitutes, Virgínia Ferreira abriu sua casa e ateliê no Bairro São Luiz, na Pampulha, na capital mineira, para lembrar de fatos, lendas e clamar pela a salvação do Juquinha da Serra do Cipó.
Fizeram para mim um ateliê de palha, porque em Morro do Pilar tem uma tradição de utilização da palha de um coqueiro (para construir) e muita gente faz casas lá com essa cobertura. Me mandaram dois caminhões de argila lá do Bairro Barro Vermelho de Conceição do Mato Dentro. Fiz a maquete e com a argila ampliei a maquete. A estrutura era de madeira que preenchi com a argila pela técnica de escultura italiana. Fizemos 26 fôrmas.
- Leia também: Vândalos picham Juquinha
Depois veio a fundição, que resultou em 26 partes de cimento e a armação interna de aço. Tive a ajuda de 40 pessoas: pedreiros, cozinheiros voluntários e o padre Marcelo, que hoje é bispo. Trabalhava cedinho e terminava às 21h. A parte da argila tinha de ser acelerada para não trincar. No total foi um ano de trabalho que terminei em 1987.
No caso do Juquinha, seria necessário esse cuidado a cada cinco anos, porque ele é muito exposto às intempéries. Ele está em uma área de muita variação de temperatura. Ao mesmo tempo que tem neblina, vem o sol, passa um pouco está chovendo, vem neblina de novo, muito vento e isso tudo promove a degradação da estátua. Umidade, temperatura. Isso promove dilatações que agridem o cimento e a ferragem.
Já foram feitas duas restaurações nele. Uma eu banquei do meu bolso. A última ocorreu há 20 anos com verba da Cemig por meio do prefeito José Fernando, de Conceição do Mato Dentro. A pele dele, que é a primeira camada de cimento, já está sendo atingida. E é o mais importante por ser o que o público vê. Os detalhes e a expressão. É a mais difícil de restaurar, por ser frágil e não aceitar muitas emendas.
Tinha também um sapato todo furado porque a região é de muita pedra. Ele vivia de ganhar o que a misericórdia dos outros lhe dava. Ele era literalmente um ser da montanha. Eu escutava que ele dormia debaixo da Lapa. Uma pedra que tinha lá na beira da estrada. Só passavam três, quatro carros por dia nessa estrada, um deserto aquilo lá.
O Juquinha também pegava muita carona no ônibus de viagem. Me lembro de ter visto ele sentado na poltrona do ônibus comendo uma laranja inteira descascada com a unha e uma banana inteira. Conheci o quartinho dele em uma casa atrás da montanha. Era uma casinha bem baixinha, de telhado baixinho mesmo, muito pequenininha. E o quartinho dele era pouco maior que a cama. Tudo era arredondado, paredes piso, porque era feito com o barro de lá, moldado pelas mãos.
O povo fechava a janela, fechava a porta: ‘o Juquinha está chegando!’. Uma vez, entrou uma mulher muito bonita no ônibus de viagem. Tinha um decote cavado, saia curtíssima, salto alto, brincões nas orelhas. Aí o chofer do ônibus perguntou para o Juquinha: ‘o que você acha de mais bonito nessa moça?’. Aí ele olhou, olhou, olhou e disse que eram os brinquinhos… os brinquinhos (risos).
Um outro casinho que eu já escutei dele é de uma amiga minha de Dom Joaquim. Eles estavam comendo um prato bem saboroso que o Juquinha gostou muito. Daí perguntaram para ele: “Juquinha, se puder, depois passa lá em casa para comer conosco’. Daí ele respondeu: ‘eu vou mesmo, porque eu gostei muito desse conosco que vocês estão comendo’ (risos). E o caso de ele ter morrido duas vezes é verdade mesmo. Tem gente que diz que ele viveu e morreu sem vezes. Mas duas eu já ouvi mesmo, da cunhada dele. Ela disse que ele deitou e morreu. Daí quando já estavam se preparando para enterrar, ele abre os olhos. Mas dois dias depois ele deitou de novo e aí morreu mesmo, e enterraram ele. Não sei onde. Tenho inúmeros casos e já pensei até que pode ser uma ideia escrever um livro sobre a história dele.
Tinha acabado de me formar em Belas Artes, tinha um filho pequeno, estava separada, sem um tostão no bolso, logo aceitei a encomenda de uma escultura. Primeiro, sugeri uma coisa minha, autoral, mas ele pediu para fazer uma em homenagem ao Juquinha que tinha morrido três anos antes. Falei então: ‘vamos!’. Fiquei procurando onde fazer.
O local onde está hoje foi justamente onde eu queria. Ali, no Alto Palácio, consegui ter a escultura, o horizonte infinito, a natureza onde o Juquinha viveu, tornando o trabalho completo e integrado. Por ser no chão, pode ter a participação popular para quem quiser chegar perto dele poder abraçá-lo, passar a mão, tocar. Para as pessoas sentirem o calor humano.
Fui indicada para fazer o busto do doutor Clóvis Salgado no Palácio das Artes. Depois foi um crescente de obras e restaurações. Minhas obras-primas foram o Juquinha e uma escultura de nove metros chamada “Mater”, que está no Águas do Treme. Gosto muito também de uma escultura de bronze, que ainda tenho, que se chama “Mãe e filho”, que fiz logo que meu filho nasceu. Na pintura tenho uma tendência para o Impressionismo. Na escultura a minha tendência é para o Expressionismo. Vários trabalhos também lembram o Cubismo.