Enviado especial
Santana do Riacho – O tráfego pesado e crescente pelas vias estreitas da rodovia MG-010, entre Lagoa Santa e Conceição do Mato Dentro, na Região Central de Minas, trouxe impactos cada vez maiores que deixam em alerta o poder público e a comunidade. A circulação de carretas pesadas já está abrindo rombos no pavimento e esburacando o calçamento, sobretudo na Serra do Cipó, um dos destinos turísticos e ecológicos mais apreciados pelos mineiros. E pelo menos um primeiro movimento já é anunciado para tentar estabelecer controle sobre o transporte de cargas na região, embora haja pressão por medidas mais efetivas.
Muitos veículos não usam proteções adequadas e lançam nuvens de poeira e fragmentos de suas cargas enquanto atravessam a comunidade, passando pelo Parque Nacional da Serra do Cipó, que é uma área de conservação protegida, mas também tirando o sossego dos donos e frequentadores de pousadas e restaurantes.
O Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG) informa que vai limitar o transporte de cargas no trecho ao máximo de 24 toneladas e que já instalou placas – atualmente cobertas por plásticos pretos aguardando que a medida comece a vigorar oficialmente. Mas vem ganhando força a ideia de se criar um contorno rodoviário que possa desviar o tráfego pesado.
Isso porque o tráfego pesado representa também problemas extras. Encontros entre carretas pesadas em sentidos opostos, por exemplo, não permitem a passagem simultânea dos dois veículos. Quando os condutores desses veículos de carga conseguem ver, das curvas fechadas, que há outro caminhão em direção contrária, é comum que parem junto dos paredões ou na beira de precipícios para dar passagem.
Mas, quando isso não ocorre, caminhoneiros se veem às voltas com situações que exigem muitas manobras e represam fileiras de outros veículos nos dois sentidos, até que um deles consiga passar. Isso, quando não “atropelam” proteções laterais (guard rails), valetas de drenagem ou amassam as laterais uns dos outros.
Tanto a subida quanto a descida da parte mais íngreme da Serra do Cipó, na ligação com o alto após mirante, é feita lentamente por esses grandes veículos de carga. Uma situação que leva motoristas de muitos carros mais ágeis a tentar ultrapassagens arriscadas, sem espaço e visibilidade.
No dia 8 deste mês, uma carreta baú ficou presa nas curvas sinuosas da subida entre a Serra do Cipó e Conceição do Mato Dentro, próximo aos mirantes, no sentido Chapéu do Sol. Foi necessário acionar um guincho para liberar os dois sentidos da via, removendo o obstáculo. O trecho é um dos mais propensos a quebras de veículos de carga, por se tratar de uma subida muito forte, que exigente bastante de caminhões muitas vezes velhos ou sem manutenção em dia.
De acordo com a Prefeitura de Santana do Riacho, o pedido de limitação de cargas a 24 toneladas foi feito junto ao DER-MG em notificação enviada ao órgão, que pediu prazo de 90 dias para adotar as medidas necessárias. Mas o prazo já acabou e nada ainda foi feito.
Alta velocidade é risco na volta
Se por um lado os veículos carregados trazem problemas como danos às pistas e cargas sendo derramadas pelo caminho, quando caminhões e carretas estão vazios o perigo é a alta velocidade. A reportagem do Estado de Minas flagrou um veículo de transporte de carga se deslocando a 119 km/h em trecho onde a velocidade limite é de 60km/h e não há acostamento. Da carroceria se desprendia uma fina poeira branca, deixando um rastro pela estrada.
A alta velocidade gera perigos de acidentes, além de configurar desrespeito ao Código Brasileiro de Trânsito. Infração que é grave quando a velocidade é superior à máxima fixada em mais de 20% até 50%. A multa é de R$ 195,23, mais 5 pontos na carteira. Quando a velocidade é superior à máxima em mais de 50%, a infração é gravíssima, a multa é de R$ 880,41 e representa 7 pontos no prontuário, com risco de suspensão do direito de dirigir.
Conflito com setor turístico
O ambulante Samuel Fernandes de Araújo, de 54 anos, viu o movimento da sua barraquinha de sucos, lanches e quitutes mineiros no mirante da MG-010 aumentar, junto com o tráfego pesado. “Muitos caminhoneiros param, compram, são nossos clientes. Mas a gente sabe que tem de preservar a estrada, que é muito estreita e não foi projetada para receber tanto caminhão. São muito lentos na subida, de fazer as pessoas perderem meia hora subindo. Muitos motoristas se arriscam na contramão. Um perigo mesmo, sem falar que arrebenta com o pavimento todo”, disse.
Turista de Lagoa Santa, a aposentada Raimunda da Conceição Alves, de 63, se disse encantada pelas belezas cênicas da Serra do Cipó, onde se sente “mais próxima de Deus”, mas também reclamou do tráfego pesado. “As vias aqui são muito estreitas, mal passam dois carros pequenos dos dois lados sem deixar a gente assustada, com medo de bater. Imagina quando passam esses caminhões uns com a roda mais alta que o carro da gente?… Não faz bem para a visita na Serra, destrói a estrada que está esburacada, aqui não é lugar disso”, criticou.
Administrador de um restaurante que é vizinho ao monumento do Juquinha, Dilceu Moreira da Silva afirma que não basta pôr placas e fazer operações de inspeção. “Será preciso ter balanças para saber se há excesso de peso. Fraudar documentos de cargas não é uma coisa que começou ontem. E outra, se não mudar a rota, a carga que antes vinha em um caminhão vai começar a vir em três e isso traz ainda mais transtornos para o turismo e para a conservação da estrada”, salienta.
Para caminhoneiros, reflexo do progresso
Se o novo limite de peso para transporte de cargas pela Serra do Cipó já estivesse em vigor, o caminhoneiro Deiwson Campos, de 54 anos, não poderia seguir para Conceição do Mato Dentro pela MG-010, pois as pedras brutas que levava desde Sete Lagoas somavam 26.900 quilos. “A gente precisa aproveitar e transportar o quanto conseguir, senão, não compensa”, afirma.
Segundo ele, que tem 36 anos de profissão, o tráfego intenso de veículos pesados é fruto do crescimento que Conceição do Mato Dentro experimenta. “Já tem até shopping center na cidade. Como é que se freia o progresso? Para mim, trafegar nesta estrada é ruim também: muito estreita, espremida entre os carros pequenos”, destaca.
E se para os turistas o transporte de carga é um tormento, para os transportadores o turismo é um transtorno. “O volume de veículos nas vésperas de feriados e fins de semana também complica tudo. Além disso, passar com a carreta nesses calçamentos de paralelepípedos corta os pneus. Cada pneu para trocar sai a R$ 15 mil”, queixa-se.
O mesmo argumenta o caminhoneiro Nelson Caetano, de 58 anos, 38 deles na estrada. “A gente transporta o que as cidades precisam para sobreviver. Com o frete baixo, não vale a pena transportar menos de 26 toneladas, no meu caso, mas acho que isso se resolveria pavimentando a subida de bloquetes da Serra do Cipó. Aquilo ali como está vai sempre ser esburacado, não aguenta o peso, nem de menos de 24 toneladas, imagina com chuva?”
Multas depois da sinalização
Apesar dos argumentos dos caminhoneiros, o DER entende que, para preservar a qualidade da MG-010, evitando um desgaste acelerado do pavimento provocado por veículos de carga, é necessário disciplinar e limitar o tráfego de caminhões de grande porte na rodovia, no segmento da Serra do Cipó compreendido entre os quilômetros 99 e 105. “O limite de carga inicialmente aprovado pelo DER-MG é de até 24 toneladas, e a sinalização está em fase de implantação. Enquanto toda ela não estiver implantada, as placas de limite de carga ficarão cobertas com plástico preto”, informou. Sinalizado todo o trecho, o departamento e a Polícia Militar Rodoviária vão fiscalizar o tráfego na rodovia e autuar os veículos que estejam trafegando de forma irregular.
Sobre as melhorias no trecho, o DER informa que está executando serviços de recuperação da MG-010 entre Santana do Riacho e Conceição do Mato Dentro e promovendo operações tapa-buracos. “Estão programados, também, os serviços de confecção pontual do calçamento e recuperação de duas erosões de bordo no Km 107, causadas pelas chuvas. A previsão é de que até o fim deste mês os trabalhos sejam concluídos”, informa o DER-MG.