Riscos à segurança hídrica da população de Belo Horizonte e a dezenas de espécies ameaçadas de extinção são apontadas por ambientalistas, políticos e prefeitura da capital como alguns dos problemas da exploração de minério na Serra do Curral. A atividade foi aprovada nesse sábado (30) pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), mas denúncias de irregularidades motivam tentativas de reverter o processo.
A autorização foi concedida por volta das 3h da manhã deste sábado (30), ao fim de uma reunião tumultuada, que havia começado 19 horas antes. Foram 8 votos favoráveis, dos representantes da Secretaria Estadual de Governo (Segov), Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (Sede), Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social (Sedese), Codemig, Agência Nacional de Mineração (ANM), Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Extrativas de Minas Gerais (Sindiextra), Federação das Indústrias do Estado (FIEMG) e Sociedade Mineira de Engenheiros (SME). Os representantes do Ibama, da ONG Fundação Relictos, da Associação de Proteção Ambiental Promutuca e da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES-MG) votaram contra a autorização.
A votação, efetivamente, dá à Taquaril Mineração S/A (Tamisa) a possibilidade de instalar seu complexo industrial no cartão postal de Belo Horizonte. O início das atividades depende, ainda de uma nova autorização do COPAM, que é um órgão ligado à Secretaria Estadual de Meio Ambiente.
Mesmo ainda não significando a exploração imediata da área, especialistas apontam danos graves ao meio ambiente e à população. “Aquela é uma área verde, muito bonita e expressiva, onde vivem várias espécies com risco de extinção. Também é uma área com muitas nascentes”, aponta o urbanista e professor da UFMG Roberto Andrés, que participa movimento “Tira o pé da minha Serra”.
Na própria reunião do Copam, especialistas apontaram que, com a abertura da cava da mina, o lençol freático que existe na região será rebaixado e a água vai deixar de abastecer as nascentes próximas.
“Tem uma bacia de detenção logo acima de uma adutora da Copasa, então você tem um risco hídrico para a cidade de Belo Horizonte”, aponta Roberto Andrés.
A integrante do Projeto Manuelzão e do movimento #TiraoPédaMinhaSerra, Jeanine Oliveira, explica que a Serra do Curral é muito relevante para a segurança hídrica da Grande BH. “As pessoas não estão sendo levadas em consideração neste processo todo. Se licenciar a mineração na Serra, nós vamos perder a única opção de abastecimento de água que nós temos próximos para essas Sabará; Nova Lima; região Leste e Centro-Sul Centro de BH. Fora isso, teremos que ir buscar no Sistema Rio Manso, que é longe e demandaria uma obra de captação que não ficaria pronta de forma rápida”
Segundo Andrés, a aprovação está cercada de irregularidades. Uma delas é o fato de que já existe um processo de tombamento da Serra do Curral em curso, junto ao Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (IEPHA). “Se esse processo já estivesse aprovado, essa mineração não seria possível, visto que tombaria também a área em que a mineração está prevista. Ocorre que um projeto de tombamento estadual como este, que já foi produzido e até aprovado dentro do IEPHA, faltando apenas a etapa final, que é a aprovação no Conselho Estadual de Patrimônio, já significa uma proteção ao bem. Então, é uma irregularidade, essa matéria não poderia ter sido votada”, explica.
Tira o pé da minha Serra
Segundo o movimento, criado por vários atores da sociedade civil e organizações voltadas para a defesa do meio ambiente, o empreendimento previsto pela Tamisa tiraria 31 milhões de toneladas de minério de ferro da Serra do Curral em um período de 13 anos. Os impactos de algo neste porte inclui a destruição de áreas verdes, poluição sonora, riscos a 40 espécies de animais e plantas já ameaçadas de extinção, poluição do ar, aumento dos riscos de deslizamentos e risco hídrico para Belo Horizonte.
Nos últimos dias, o movimento vem mobilizando a população de BH e da região metropolitana com uma série de atos contrários à exploração do cartão postal. Na sexta-feira, mais de 280 pessoas se inscreveram para participar da reunião que culminou na aprovação do projeto, mas poucas tiveram a oportunidade de expor seus argumentos. Segundo Roberto Andrés, esse é outro ponto que coloca em xeque a legitimidade da decisão que autorizou o empreendimento: “Houve um processo atropelado de chamar as pessoas rapidamente, mas elas não conseguiram falar. Foi uma insistência muito estranha: se nós estamos fazendo tudo dentro da lei, qual é o motivo pra aprovar algo às 3h da manhã? Por que não adiar a reunião para segunda-feira? O que o governo está escondendo da população?”, questiona.
O secretário do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio da Velhas (CBH Rio das Velhas), Marcus Vinícius Polignano, disse que foi um dia triste para a história de Minas Gerais e da mineração. “Não é um projeto de mineração isso daqui, mas sim de destruição da Serra do Curral. Nós estamos estropiando às futuras gerações de um local que é referência da capital e da história mineira e que vocês (conselheiros) estão aprovando”, criticou.
Ações na justiça
Apesar da anuência das secretarias estaduais de governo, a autorização não é uma unanimidade entre os políticos. Segundo o Prefeito Fuad Noman (PSD), o executivo da capital mineira avalia a possibilidade de entrar na justiça contra a autorização.
“Belo Horizonte não estaria, em tese, sendo atingida, por isso não foi incorporada nesse processo (da liberação). Mas estamos achando muito ruim. Mandei o pessoal estudar a situação e vamos verificar se temos condição de entrar na Justiça para suspender essa decisão. A Serra do Curral não pode ser atacada. Não conhecemos bem o processo, mas não pode ter impacto para Belo Horizonte”, disse o prefeito de BH.
O presidente da Comissão de Minas e Energia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), deputado Rafael Martins (PSD), também promete entrar na justiça contra a decisão do COPAM. Nas redes sociais, o deputado disse que vai procurar a justiça na segunda-feira (02), para “barrar este absurdo”. Ele também afirmou que os conselheiros do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) serão convocados pelo Legislativo para explicar a decisão.
O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) pediu, na última terça-feira, (26) que a Justiça “suspenda de imediato a validade da declaração de conformidade, de forma a impedir a instalação do empreendimento”. O órgão também ajuizou uma ação civil pública contra a Tamisa e contra o município de Nova Lima.
Segundo a 4ª Promotoria de Justiça, “as leis de uso e ocupação de Nova Lima vedam esse tipo de empreendimento em áreas que seriam abrangidas pela mineração. Apesar disso, no último dia 15 de fevereiro, o município atestou a conformidade do projeto”.
Por sua vez, a Prefeitura de Nova Lima informou que todo processo de licenciamento minerário é de responsabilidade do Estado, e que coube ao executivo municipal apenas “atestar a conformidade da atividade, de acordo com os parâmetros do Plano Diretor”. A Prefeitura disse em nota que vai acatar qualquer decisão da Justiça.
Procurada, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informou, que “a definição pelo deferimento ou indeferimento às licenças é de inteira responsabilidade do Copam”.
A reportagem procurou a empresa, mas não obteve resposta. A Fiemg e o Sindiextra também foram procurados, mas não retornaram até o fechamento desta reportagem. A Tamisa também foi contatada nesta sábado, pelos contatos que constam no site da empresa, mas não tivemos retorno.