Realizada com quase dois anos de atraso, a 5ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa chegou ao fim na última sexta-feira (2) com a aprovação de 25 propostas consideradas prioritárias para assegurar os direitos da população com mais de 60 anos de idade em todo o Brasil.
As recomendações, segundo o secretário nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa, Antonio Fernandes Toninho Costa, respondem a “necessidades nacionais” e devem subsidiar a criação de políticas públicas destinadas a promover a qualidade de vida da população.
Essas iniciativas, conforme o secretário, exigem mais recursos públicos nas três esferas de poder (federal, estadual e municipal). “A política do idoso ainda não sensibiliza de forma efetiva os orçamentos”, disse Costa à Agência Brasil.
Na entrevista, o secretário comentou também os impactos da chamada Emenda Constitucional do Teto de Gastos para os investimentos públicos na área social e a polêmica decisão da Organização Mundial da Saúde (OMS) de incluir a velhice entre o rol de doenças.
Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista exclusiva concedida à Agência Brasil:
Agência Brasil: Que balanço o senhor faz de todo o processo de realização da 5ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa?
Antonio Costa: Pela primeira vez, desde a primeira edição [em 2006], a conferência ocorreu de forma virtual [devido à pandemia da covid-19]. Tivemos uma primeira fase, regional, com a participação efetiva de 20 estados e do Distrito Federal, ao fim da qual foram apresentadas 519 propostas que, posteriormente, foram sistematizadas em 344 sugestões. No evento final, nacional, chegamos a 76 propostas, das quais foram escolhidas as 25 prioritárias. Agora, na medida do possível, vamos procurar dar encaminhamento àquilo que os delegados colocaram como um plano de Estado para a política destinada aos idosos; para fazermos frente aos desafios do envelhecimento no século 21.
Agência Brasil: O senhor parece enfatizar a necessidade de “esforços” para tentar tirar as propostas do papel e, “na medida do possível”, colocá-las em prática. Por que isto? Quais os principais desafios para implementar as recomendações aprovadas na conferência?
Costa: Muitas delas dependem de orçamento. Embora já estejamos trabalhando algumas das propostas, em especial do eixo saúde, assistência social e previdência, precisamos de mais recursos para modificarmos o cofinanciamento das ILPI's [Instituições de Longa Permanência para Idosos] e para ampliarmos os Centros Dia [unidades públicas destinadas ao atendimento especializado a idosos e pessoas com necessidades especiais], entre outras ações. Para isto, é preciso orçamento. Dependemos da sensibilização do Congresso Nacional e do próprio governo federal, do Ministério da Economia, para encaminhar, no Orçamento, algo que precisa se tornar realidade.
Agência Brasil: Desde 2019 o senhor vem destacando a necessidade de mais dinheiro para a execução da Política Nacional do Idoso. De lá para cá, o mundo passou a enfrentar a pandemia da covid-19, o que, no Brasil, agravou a crise econômica e, ao mesmo tempo, exigiu ainda mais recursos para a área social. Como equacionar as demandas com as limitações orçamentárias?
Costa: A meu ver, quanto mais investirmos, mais estaremos tirando a pessoa idosa dos postos de saúde, das UPAS e dos internamentos hospitalares. Esta é a reflexão da conferência, cujas propostas aprovadas são necessidades nacionais e serão nosso norte. Nós as encaminharemos ao presidente Jair Bolsonaro e aos ministérios afeitos à questão para tentarmos aplicá-las de forma efetiva – e esperamos concretizar parte delas ainda neste governo. Mas, insisto, precisamos garantir o orçamento [necessário à execução de políticas públicas] para que a população em geral possa envelhecer com qualidade. Em pouco tempo, os idosos serão ¼ da população brasileira, mas a política do idoso ainda não sensibiliza de forma efetiva [a elaboração] dos orçamentos. Temos na política previdenciária um modelo importante. Este ano, por exemplo, o orçamento da Previdência Social foi de [mais de] R$ 756,73 bilhões, mas não basta só dar aposentadoria. Precisamos de políticas de inclusão, justamente por causa da maior expectativa de vida dos brasileiros.
Agência Brasil: Entre as 25 propostas prioritárias aprovadas ao término da conferência há uma que diz respeito à barreira para que os governos ampliem seus gastos orçamentários, que é a proposta que defende a revogação da Emenda Constitucional nº 95, que estabelece um teto, um limite, para o aumento das despesas do governo brasileiro pelo prazo de 20 anos, ou seja, até 2036. O senhor endossa esta proposta?
Costa: A emenda é um pouco perversa para a área social. Defendo que ela exista, mas não no contexto social. E cito, como exemplo, o Fundo Nacional da Pessoa Idosa, para o qual as pessoas não estão mais aportando recursos porque, por conta do teto de gastos, o valor do fundo que vem sendo repassado para o nosso orçamento é muito pouco. Por isso, defendo que o teto de gastos seja revisto para a área social. Não podemos continuar desta forma, pois a demanda social é muito grande. O governo federal, os estados e municípios precisam ter instrumentos financeiros para bancar as políticas públicas.
Agência Brasil: Esta é uma opinião pessoal ou conta com o apoio do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos [ao qual a secretaria nacional está integrada] e da ministra Damares Alves?
Costa: Eu defendo a revisão do teto de gastos para a área social, mas esta proposta vai ser efetivada também como resultado da conferência. Esperamos que o Ministério da Economia possa refletir sobre o tema. Até porque, tomando a Secretaria Nacional do Idoso como exemplo, vejo que quanto mais investimos na área social do idoso, menos dinheiro temos de gastar com medicamentos, atendimento médico e internação. Além disso, os investimentos na área social se traduzem em menos desigualdade [social], o que promove um [maior] retorno [financeiro aos cofres públicos] por meio de impostos.
Agência Brasil: Durante a conferência, foram empossados os novos membros do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, que o senhor preside na condição de secretário nacional. Como será a linha de atuação deste próximo biênio (2021-2023)?
Costa: O novo conselho está representado por importantes segmentos que defendem a política do idoso, como a Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas [Cobap] e outras entidades da sociedade civil que estamos trazendo para atuar conjuntamente. São seis titulares representando a sociedade civil e seis do governo, além dos [respectivos] suplentes. Tenho esperança de que vamos melhorar ainda mais o relacionamento com a sociedade civil. Com isto, teremos mais subsídios para continuar trabalhando de forma democrática, fazendo consultas.
Agência Brasil: Algumas entidades apontam a necessidade de que o número de conselheiros volte a ser ampliado a fim de proporcionar uma maior representatividade social. O que o senhor tem a dizer a este respeito?
Costa: Este é também um pensamento, um objetivo nosso. Esperamos que, assim como este ano já aumentamos o número [de conselheiros de seis para 12 titulares], possamos voltar a acrescentar integrantes em 2022. Sempre buscando um entendimento com as ações e com a política do governo federal, não deixando de ouvir a sociedade. Este é um compromisso enquanto secretário nacional e presidente do conselho.
Agência Brasil: A seu ver, qual seria o número ideal de conselheiros nacionais?
Costa: Em torno de dez representantes titulares da sociedade civil e dez do governo federal [mais seus suplentes]. Não adianta termos um conselho nacional muito grande, com muita gente, e com dificuldades de decidir. Nosso compromisso é, ao fim da nossa gestão, tentar deixar algo perto daquilo que encontramos, mas de forma a evitar que se faça política partidária no âmbito do conselho. [em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, o CNDI era composto por 28 membros titulares, sendo 14 representantes da sociedade civil escolhidos em processo eleitoral e 14 membros do governo indicados por ministérios]
Agência Brasil: E quanto aos conselhos municipais e estaduais dos idosos?
Costa: Nós os consideramos extremamente importantes. Tanto que lançamos o pacto nacional, justamente para tentar ampliar o número de conselhos municipais e fortalecer a política em todas as três esferas de poder. São as cidades que enfrentam os problemas. Apesar disto, pelo último diagnóstico que fizemos, dos 5.570 municípios, apenas 1.900 tinham conselhos em atividade. Precisamos sensibilizar os gestores públicos, principalmente os municipais, para que compreendam a importância da instância local. Não adianta termos um conselho nacional forte se não há conselhos lá na ponta.
Agência Brasil: Outro assunto que diz respeito à atuação da secretaria é a decisão da Organização Mundial da Saúde (OMS) de incluir a velhice entre o rol de doenças da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-11), que entrará em vigor em 1º de janeiro de 2022. A secretaria já se manifestou contrária à medida. O governo brasileiro vem atuando de alguma forma para tentar reverter isto?
Costa: Tanto a secretaria nacional quanto o conselho nacional já se manifestaram veementemente contra a tentativa da OMS de tratar a velhice como uma doença. O envelhecimento é um processo natural da vida, uma fase que tem que ser vivenciada de forma ativa e saudável. Ao considerar criar uma CID para a velhice, a organização indica que o remédio é não nascermos. A meu ver, este foi um grande engano. Defendo que o Brasil não aceite esta imposição que, se for adotada, trará consequências terríveis para a economia nacional.
Agência Brasil: Mas o governo está fazendo algo para tentar demover a OMS de colocar em prática tal decisão?
Costa: O Ministério da Saúde, que é mais ligado a esta área, está trabalhando de forma efetiva. O Conselho Nacional de Saúde também. E o nosso Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa já se posicionou contra. Agora é articular para que isto não venha a ocorrer em nosso país.