Cinco pessoas de uma mesma família morreram em um grave acidente na BR-135, em Corinto, na Região Central do estado, na noite de quinta-feira. A nova tragédia confirma a frustração da expectativa criada em relação à concessão da rodovia para a iniciativa privada e a cobrança de pedágios, que completou quatro anos no dia 1º. Principal ligação entre Belo Horizonte e o Norte de Minas e usada por pessoas que viajam de São Paulo em direção ao Nordeste, a rodovia continua perigosa e mortal e as obras esperadas para reduzir os acidentes estão lentas, reclamam motoristas. A estrada é de pista simples, com terceira via em alguns trechos.
A tragédia de quinta-feira, quando um Chevrolet Classic bateu de frente com um caminhão de carregado de carvão, é a quinta desde agosto do ano passado. Morreram no acidente todos os ocupantes do carro de passeio, integrantes de uma família de Divinópolis, na Região Centro-Oeste, que viajavam para visitar parentes em Pirapora, no Norte de Minas. As vítimas são Fábio Rodrigues Alves Milagre, de 43 anos, que dirigia o veículo, a mulher dele, Jaqueline Araújo Santos Milagre, de 43, o filho do casal, Miguel Santos Milagre, de 13, a mãe de Jaqueline, Rita Araújo Rocha, de 70, e o padrasto dela, Paulo Rocha, de 86.
Fábio era servidor concursado da Secretaria Municipal de Saúde de Divinópolis havia 18 anos. A Prefeitura de Divinópolis divulgou nota de pesar, na qual afirma que, segundo colegas de trabalho, o servidor “era uma pessoa de boa índole, muito prestativo”ciliares, sempre com muita alegria”.
DINÂMICA
O acidente foi no Km 592 da rodovia, entre Corinto e Curvelo, numa reta, onde, segundo testemunhas, o terreno é desnivelado, com pequenas subidas e descidas. De acordo com a Polícia Militar Rodoviária (PMRv), o condutor de caminhão, de 27 anos, que saiu ileso, contou que o motorista do carro de passeio tentou forçar uma ultrapassagem, perdeu o controle direcional do veículo. Com isso, invadiu a contramão e bateu de frente com o caminhão, que viajava em sentido contrário e tombou na pista. O Classic ficou destroçado, debaixo do caminhão.
A ESTRADA
A BR-135 é uma rodovia federal. Mas o trecho que passa por Minas Gerais foi estadualizado e, em 2018, transferido para iniciativa privada. Desde 1º de abril de 2019, é cobrado pedágio em cinco praças distribuídas nos 312 quilômetros entre a BR-040/Curvelo e Montes Claros. Devido ao processo de estadualização e concessão à iniciativa privada, a BR-135 não aparece nas estatísticas da Polícia Rodoviária Federal (PRF) sobre acidentes nas estradas federais e que serviram para levantamento do Estado de Minas que mostrou os pontos mortais das estradas administradas pela União.
Por outro lado, pesquisa feita pela reportagem mostra que a BR-135 continua sendo um palco de tragédias, com perdas de vidas. Cinco graves acidentes registrados na rodovia entre a segunda quinzena de agosto de 2022 e quinta-feira provocaram 19 mortes, sendo que 12 vidas foram perdidas somente neste ano em três tragédias na mesma estrada (veja quadro).
Motoristas afirmam que as “armadilhas” persistem na rodovia, apesar da promessa de melhorias relacionada à cobraça de pedágio, cujo valor consideram elevado. A expectativa era que intervenções nos pontos críticos da BR-135, com a duplicação de trechos e outras obras, reduzissem os acidentes. À situação da própria rodovia se somam a alta velocidade e a imprudência de muitos motoristas, que elevam os riscos, atestam.
A reclamação é feita por moradores das cidades cortadas pela BR 135, que sempre precisam trafegar pela rodovia e se expor ao perigo de acidentes. “Acho o pedágio na BR-135 é muito alto – exorbitante, com pouco benefício. Com o valor cobrado, teriam que ser feitas muito mais obras para reduzir acidentes ou até a duplicação de toda a estrada”, avalia o servidor público Arnaldo Alves, morador do município de Augusto de Lima.
Ele lembra que a concessionária da rodovia já fez algumas intervenções em alguns pontos da estrada, mas diz que os serviços deveriam ter sido agilizados para eliminar todas as “armadilhas” da via. “Qualquer vida que for preservada por uma obra na rodovia vale muito”, defende. A cada 15 dias, Arnaldo Alves percorre a BR-135, em viagens a Belo Horizonte, e pelo menos três vezes por semana passa por um trecho de 15 quilômetros da mesma estrada para se deslocar até o sítio dele, na região de Augusto de Lima.
Wanderley Santos, morador de Buenópolis, onde a BR-135 passa na área urbana, diz que, depois da privatização, a estrada “melhorou um pouco”. Porém, considera que a rodovia “ainda tem uma pista complicada e precisa de um pavimento melhor”. Segundo ele, o perigo de acidentes no trecho é agravado “pela imprudência e alta velocidade muitos motoristas”.
Um motorista e morador de Corinto, cidade também cortada pela BR-135, que preferiu não se identificar, credita a persistência das tragédias na estrada à “lentidão” das obras de melhoria ao longo do longo percurso concedido. “O custo do pedágio é alto, mas a prestação de serviços deixa a desejar”, avalia o morador, que sempre percorre o trecho rodoviário. “Os acidentes na estrada são constantes”, diz ele, que não também não tira a responsabilidade dos motoristas que não respeitam as regras e o limite de velocidade.
Vereador de Montes Claros, cidade-polo do Norte de Minas, Rodrigo Cadeirante (Rede), afirma que o pedágio na rodovia é “um dos mais caros do país” e cobra contrapartidas. “Essas tragédias podem sim, ser evitadas com investimentos urgentes na qualidade do asfalto, pois é comum trechos longos com ondulações na pista (…), bem como dispositivos de segurança já utilizados em outras rodovias, para que veículos tenham rota de fuga após perder os freios em longos trechos de declive”.
SOCORRO
Após a transferência da rodovia para a iniciativa privada, os motoristas que trafegam pela estrada passaram a receber da concessionária a assistência 24 horas de socorristas. A empresa também presta auxílio aos motoristas que têm problemas com seus veículos. Ontem, a reportagem encaminhou uma lista de perguntas para a Eco 135, empresa concessionária da BR-135, sobre as reclamações dos motoristas em relação ao valor do pedágio e às obras de melhoria na rodovia. Porém, a empresa alegou que, como era feriado, não teria como responder a tempo.
IMPRUDÊNCIA
Independentemente da situação da estrada, a imprudência e a alta velocidade continuam sendo os elementos que mais contribuem para os acidentes nas rodovias como a BR-135, avaliam autoridades. “Os acidentes acontecem, na maioria das vezes, por imperícia e imprudência dos motoristas. Neste caso específico (na tragédia de quinta-feira), o acidente ocorreu por uma ultrapassagem em que o condutor perdeu o controle da direção e invadiu a contramão”, comenta o tenente Wenderson Miranda, comandante da 14ª Companhia da Policia Militar Rodoviária de Curvelo. “A recomendação é respeitar os limites de velocidade e a sinalização, não realizar ultrapassagem em local de faixa contínua”, orienta o militar.
Início do recesso concentra mortes
Todo cuidado é pouco para quem ainda vai viajar hoje ou retorna para casa amanhã pelas estradas que cortam Minas Gerais. Apesar de a quinta e a sexta-feira terem resgistrado o maior número de acidentes, feridos e mortos nas rodovias federais dentro do território do estado entre 2020 e 2022, o total desastres nos dias que encerram o recesso também foram altos, apontam dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF). O acidente que ocorreu na noite de quinta-feira na BR-135, em Corinto, na Região Centro-Oeste de Minas Gerais, matando cinco pessoas de uma mesma família, não será computado nessa estatística, por se tratar de uma via que foi concedida ao estado e depois à iniciativa privada.
Nas últimas três semanas santas, 23 pessoas morreram e 311 ficaram feridas em 261 acidentes, sendo tanto na quinta quanto na sexta-feira foram registrados sete óbitos (30,43%). Já a quinta teve 91 feridos (29,26%) contra 82 (26,36%) da sexta. Em média, houve 25,3 acidentes às quintas-feiras das três últimas semanas santas, contra 19,6 na sexta, com 30,3 contra 27,3 feridos no mesmo comparativo.
Os sábados foram os dias menos violentos nas estradas, com média de 22 acidentes, 22 feridos e 1,3 mortes. O retorno do feriado também foi menos violento, de acordo com essa estatística, com o domingo tendo registrado média de 20 acidentes, 24 pessoas feridas. A média de óbitos foi de 1,6.
Nas últimas três quintas-feiras da Semana Santa, as estradas que mais mataram foram a BR-153, com duas mortes, e as BRs 146, 267, 365, 262 e 381, com um óbito, cada. Nas sextas-feiras, as que somaram mais mortes foram a BR-040 e a BR-050, com duas mortes cada uma, e a BR-116, BR-262 e BR-365, com um óbito cada.
Como mostrou a reportagem do Estado de Minas na edição de quinta-feira, nos últimos três recessos da semana santa, a BR-262 se mostrou a via que mais matou em Minas Gerais, com seis óbitos, sendo três deles entre João Monlevade (Região Central) e a divisa com o Espírito Santo, e outros três entre Betim (Grande BH) e Luz (Região Centro-Oeste). (Com Mateus Parreiras)