Cargas de trabalho excessivas que consomem a maior parte do tempo, metas pouco realistas, falta de reconhecimento e até práticas de assédio moral e sexual aliadas ao medo da perda do emprego são alguns dos desafios do dia a dia do trabalhador que contribuem para o adoecimento mental, a terceira maior causa de concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez no país. Entre 2012 e 2016, 668.927 pessoas foram afastadas do mercado de trabalho por transtornos mentais e comportamentais no Brasil. Em Minas, houve uma média de quase 30.450 afastamentos por ano nesse período. Apesar dos números altos, o trabalhador que está nessa situação ainda sofre rejeição e preconceito.
“Um dos fatores relacionados ao adoecimento mental é o estresse, as reações em situações de tensão e pressão. O trabalho é muito competitivo e visa a metas muito difíceis. A pessoa vai ficando em uma situação de desesperança, ansiedade, perda de sono e tristeza, até chegar à depressão”, analisa a professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Tatiana Mourão.
As mulheres são quase 57% do total de afastados, o que, segundo a Organização Internacional do Trabalho, tem várias explicações, entre elas o papel duplo que elas desempenham em casa e no trabalho, o risco de assédio sexual e a discriminação de gênero. Inclusive, embora a concessão do benefício seja maior entre as mulheres, a duração e o valor médios do benefício são superiores para os homens.
Em Minas, os episódios depressivos e outros transtornos ansiosos são as causas mais frequentes de concessão de auxílio-doença por transtorno mental, com 62.155 afastamentos em cinco anos. Porém, só 7,6% dos casos foram considerados acidentes de trabalho. Conforme a Previdência, isso se deve à “intangibilidade” do adoecimento mental, com sintomas nem sempre visíveis, e à resistência das empresas de reconhecer que têm prejudicado a saúde dos trabalhadores.
Transtornos decorrentes do uso de álcool e de outras drogas também têm alta incidência no Estado – muitos buscam as substâncias no fim do expediente para “relaxar” e ficam dependentes.
Preconceito. A invisibilidade dos sintomas gera outro problema – a exclusão do trabalhador doente. “O adoecimento mental não é palpável e, muitas vezes, é interpretado como preguiça. O que a gente vê é que essas pessoas podem até ser suportadas no período de crise, mas são as primeiras a ser demitidas depois”, analisa a vice-presidente da região Sudeste da Associação Nacional de Medicina do Trabalho, Letícia Gários.
Há mais de dois anos sem trabalhar por depressão, um agente penitenciário de 34 anos sentiu na pele o preconceito. “Colegas diziam para não demonstrar fraqueza. Rolava até aposta para saber se eu cometeria suicídio”, conta. Ele acredita que problemas pessoais e profissionais foram a causa da doença – chegava a trabalhar 20 horas seguidas.
O preconceito gera subnotificação. “As pessoas pedem para o médico colocar outro motivo de afastamento, e algumas não se afastam. Isso só serve para agravar os quadros”, pontua Letícia.
SUS. O serviço especializado de saúde do trabalhador do Hospital das Clínicas realiza consultas nas terças-feiras, no Ambulatório Bias Fortes, no campus Saúde da UFMG. Os pacientes devem ser encaminhados.
Atividades ajudam a aliviar rotina
Dedicar-se a outras atividades, como um esporte, e a amigos e família é fundamental para lidar com as pressões da rotina de trabalho. “Os outros setores da vida precisam ser desenvolvidos para que, se houver uma decepção no trabalho, existam compensações e alegrias”, afirma a professora Tatiana Mourão.
Boas horas de sono, alimentação saudável e atividade física também são importantes. Um motorista de ônibus da capital de 56 anos recorreu a caminhadas e corridas para reduzir o estresse que o afastou do trabalho por 15 dias. “É muita pressão trabalhar sem cobrador e andar apreensivo o tempo todo por causa de assalto. Abandonar o emprego não dá. Então, essa é minha válvula de escape”, diz.
Saiba mais
Transtornos. Em Belo Horizonte, cerca de 60% das concessões de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez acidentárias relacionadas ao adoecimento mental são relativas a estresse e a depressão.
Direito. Todos os filiados ao INSS que possuem uma inscrição e fazem pagamentos mensais à Previdência Social têm direito aos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez.
Entenda. A concessão dos benefícios depende da avaliação pericial – o perito avalia se a doença incapacita o trabalhador para sua atividade laboral e se essa incapacidade é temporária ou não. Em alguns casos, o benefício de auxílio-doença pode ser convertido em aposentadoria por invalidez.
Ambiente saudável deve ser meta de todos
Preservar a saúde mental é missão de empresas e trabalhadores, que devem buscar um ambiente de mais empatia e solidariedade, segundo especialistas.
Em primeiro lugar, os empregadores precisam lembrar que estão lidando com pessoas, e não com “máquinas perfeitas”, como diz a professora da Faculdade de Medicina da UFMG Tatiana Mourão. “É necessário impor metas exequíveis. Quando a meta é muito difícil, o trabalhador se sente decepcionado”, pontua.
“A chefia deve desestimular o ambiente de competição, hostilidade e fofoca para gerar o melhor ambiente de trabalho possível. É no trabalho que a gente passa grande parte do dia”, afirma a médica do trabalho Letícia Gários. Além disso, os colegas devem buscar se ajudar. “Antes havia uma empatia com aquela pessoa que estava sofrendo assédio moral. Hoje, os colegas, com medo de a situação se voltar para eles, não têm sido solidários”, analisa.
O trabalhador também deve fazer sua parte e reconhecer suas limitações. Em alguns casos, dizer que não dá conta ou pedir um prazo maior é necessário. “O medo do desemprego faz as pessoas aceitarem todas as situações. Elas largam a atividade física, a família, e tudo contribui para o adoecimento mental”, conclui a especialista.