Após os casos de alunos brancos fraudando o sistema de cotas para entrar para a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) ganharem as páginas de jornais, cresceram as denúncias de ocorrências semelhantes na instituição. A comissão da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis apurou, no ano passado, 61 queixas – sobre pessoas diferentes – feitas formalmente à universidade antes e depois do escândalo. Porém, até hoje, cerca de cinco meses depois, nenhum dos acadêmicos foi afastado ou expulso, segundo movimentos negros e estudantis que acompanham os casos.
A assessoria de imprensa da UFMG informou que os processos para apurar as supostas fraudes não foram finalizados. No entanto, a Unegro Minas Gerais e o UFMG contra as Fraudes em Cotas garantem que há um relatório final, que optou por não ditar punições. “Ninguém foi punido por dar declaração falsa”, disse o presidente do Unegro Minas Gerais, Alexandre Braga.
“A comissão constatou que não houve fraude, e sim mau uso das cotas, justamente por essa dificuldade no Brasil de se definir o que é preto e pardo. Por isso, não teve punição. Queremos que haja uma apuração mais sensível desses casos”, disse o estudante de biologia Vinícius Morais, 20, integrante do UFMG contra as Fraudes em Cotas. A universidade teria, então, entendido que não houve intenção de cometer irregularidades.
Ato. Nesta sexta-feira (23), primeiro dia de matrícula dos calouros, está marcado um ato contra fraudes, como forma de conscientização. A Lei de Cotas (12.711/2012) determina que 50% das vagas dos cursos de graduação sejam destinadas para quem fez o ensino médio em escola pública, é de família de baixa renda e se autodeclara preto, pardo ou indígena.
O objetivo é reduzir as desigualdades sociais, econômicas e educacionais entre raças. Mas algumas das vagas são ocupadas por estudantes loiros, de pele branca e olhos claros. Os 61 casos suspeitos de fraude foram identificados em dez cursos, e os estudantes chegaram a ser ouvidos pela instituição, segundo as duas entidades. Entre eles está o ex-aluno de medicina Vinícius Loures, 23, que assumiu o erro, cancelou a matrícula e fez o Enem novamente no fim do ano passado.
“Sabemos também de uma menina da comunicação que trancou a matrícula e vai tentar cota na categoria econômica”, relatou Alexandre Braga. “Esperamos uma medida mais incisiva da universidade, não dá para aceitar que o aluno continue com um benefício que não tem direito”, completou o militante.
A assessoria da UFMG informou que o pró-reitor Rodrigo Ednilson, que preside a Comissão de Assuntos Estudantis, estava viajando e não poderia dar entrevista.
Entidades querem checagem de dados
A falta de uma checagem das autodeclarações tem permitido que fraudes em cotas raciais aconteçam, seja por desinformação do candidato ou mesmo má-fé. Por isso, a Unegro Minas Gerais enviou um ofício a todas as universidades federais do Estado, no fim do ano passado, sugerindo a criação de comissões de verificação dos dados.
“Não existe um critério científico para definir quem é negro ou não. Mas a cota racial é destinada a quem tem fenótipo, traços físicos, que a sociedade discrimina”, explicou o presidente da Unegro, Alexandre Braga.
A Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e a Universidade Federal de Viçosa (UFV) aderiram à proposta. Já a UFMG coloca em prática, neste ano, a carta consubstanciada, em que o estudante que se autodeclara negro tem que preencher uma carta explicando quais os elementos usados para se reconhecer como negro.
Saiba mais sobre o assunto
Ato. O manifesto, organizado pela Unegro, começa às 12h desta sexta-feira, no Centro Administrativo 2 (CAD 2), do campus Pampulha, onde os calouros farão a matrícula. Segundo o movimento, o objetivo não é intimidar os alunos, mas sim criar um clima de fraternidade e abrir diálogo para explicar o que é a cota racial. Haverá um bolo para recepcionar os novatos.
Perfil. A cota racial é destinada àqueles com fenótipo (características físicas) de negros. Quem foge a esse perfil tem a chance ainda de concorrer a uma cota socioeconômica ou de escola pública.
Carta. A UFMG não estabelece os critérios para uma pessoa ser considerada negra. A carta consubstanciada dá apenas a chance de o aluno refletir sobre seu pertencimento e os elementos que o fazem se ver como negro. Não haverá nenhum tipo de checagem da carta. A autodeclaração só será investigada se houver denúncia.
Crime. Além da possibilidade de ser expulso, quem fraudar o sistema pode responder criminalmente por falsidade ideológica, que prevê pena de até cinco anos de reclusão.