Minas Gerais é o terceiro estado com mais ligações pedindo socorro por violência doméstica no Brasil em 2022. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta quinta-feira (20/7), pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no ano passado foram 31.908 ligações para o 190 contra 25.156, em 2021.
Para a professora do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) e pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da UFMG, Luana Hordones, o aumento da violência doméstica e contra as mulheres pode estar ligado à expansão do discurso de ódio contra diversas minorias, principalmente, no último ano.
“As mulheres são muito vulneráveis a esse discurso de ódio violento que teve uma expansão nos últimos anos no Brasil, especialmente no ano passado por causa das eleições. Um ano eleitoral que teve esse discurso como instrumento político. A expansão desse discurso afetou tanto essas mulheres como outras minorias. Além da misoginia, que já é um traço da nossa cultura, os números refletem esse discurso como instrumento político-social nesse momento, no Brasil”, afirma.
A especialista lembra que uma das características da sociedade conservadora e do conservadorismo, de maneira geral, é evitar a mudança. “É um esforço para evitar as mudanças. Toda mudança soa perigosa para uma sociedade conservadora. Minas Gerais tem muito essa característica, de uma sociedade conservadora.”
No caso das mulheres, essa reação violenta contra essas mudanças sociais que estamos vivendo ocorre há algumas décadas, segundo a professora. “Na história recente, nós mulheres temos lutado e experimentado mudanças em relação à nossa autonomia. É uma reação violenta contra a autonomia das mulheres. Até a pouco tempo, nós não experimentávamos autonomia com relação aos nossos pensamentos, desejos, afetos, trajetórias de vida, posicionamento político e social.”
Ela afirma que os homens sempre tiveram, historicamente, poder sobre a vida das mulheres. “E isso, por muito tempo, não foi questionado. Agora que as mulheres tentam construir alguma autonomia, isso é questionado.”
Ciclo da violência
Para a especialista, esse aumento de casos está ligado a dois fatores: ciclo da violência e a perversidade desse ciclo.
Ela lembra que as mulheres são ensinadas a andar sozinhas em determinados horários ou vestindo determinados tipos de roupa para não serem atacadas. Mas, muitas vezes, os agressores estão dentro de casa ou têm relações de afeto com essas vítimas. “Dentro das relações de afeto ou domésticas é que as mulheres deveriam se sentir mais protegidas, seguras. É justamente nesse lugar que somos mais vulneráveis à violência.”
Luana acredita que a pandemia dificultou as notificações desses crimes, já que as mulheres estavam confinadas em casa. Desde o ano passado, com a flexibilização, elas podem ter se sentido mais confiantes para denunciar. “Sabemos que os números aumentaram na pandemia. A flexibilização pode ter ajudado a mais mulheres procurarem ajuda, mas a violência também pode ter aumentado nesse período.”
Ela ressalta ainda que a sociedade brasileira normaliza diversas formas de violência. “Estamos aprendendo a nomear as violências, reconhecê-las e não naturalizá-las como parte das relações.”
Políticas públicas
Em nota, o Governo de Minas Gerais informa que “tem desenvolvido e estimulado políticas de combate à violência contra a mulher, em busca de prestar auxílio necessário às vítimas, atuar na prevenção de casos enquadrados na Lei Maria da Penha e, sobretudo, combater as ocorrências de feminicídio.
Por meio da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) estão em pleno funcionamento as Delegacias de Atendimento à Mulher, tanto no interior quanto na capital, para atendimento às mulheres vítimas de violência, incluindo casos de importunação ofensiva e violência doméstica e sexual. Ao todo, Minas Gerais possui 69 delegacias especializadas de atendimento à mulher em todo o estado.
Em Belo Horizonte estão situadas a Delegacia de Plantão Especializada em Atendimento à Mulher e a Casa da Mulher Mineira, abarcando uma série de ações, como a solicitação de medidas protetivas de urgência, que contempla: o acompanhamento policial até sua residência para retirada de seus pertences em segurança (roupas, documentos, medicamentos etc); recebimento da guia de exame de corpo de delito; realização da representação criminal para a devida responsabilização do agressor; recebimento e encaminhamento para casas abrigo; serviços de atendimento psicossocial; orientação jurídica na Defensoria Pública, entre outros.
Todo o trabalho é desenvolvido em um ambiente adequado e com privacidade para uma escuta qualificada e humanizada das vítimas. Dessa forma, a Casa da Mulher Mineira visa apoiar o trabalho desenvolvido pelas delegacias especializadas no atendimento à mulher existentes em Minas Gerais, sendo quatro delas em Belo Horizonte.
A unidade de Belo Horizonte já conta com atendimento ininterrupto à mulher. Nas demais localidades, todas as ocorrências de violência doméstica e familiar contra a mulher fora do horário de expediente não ficam sem atendimento, sendo encaminhadas para as delegacias de plantão.
Informamos ainda que algumas ocorrências, tais como ameaça, lesão, vias de fato e descumprimento de medida protetiva, podem ser realizadas por meio da Delegacia Virtual, sem a necessidade de comparecimento da vítima em uma unidade física da PCMG.
Além disso, o Governo de Minas também gerencia o CERNA – Centro Risoleta Neves de Atendimento, que atua como um Centro de Referência Estadual de Atendimento às Mulheres, realizando atendimento psico-jurídico-social às mulheres mineiras da capital e do interior, além de oferecer capacitações a outros equipamentos da rede de enfrentamento à violência contra mulheres, incluindo discussão de casos e orientações técnicas para o devido atendimento psicossocial.
O Cerna oferece a cada mulher atendida um profissional de referência que é o responsável pelo seu Plano de Acompanhamento Pessoal (PAP), documento institucional que descreve a forma de atendimento a ser realizado, define objetivos, planeja e avalia estratégias de cuidado de forma multiprofissional. Respeitando a autonomia das mulheres, o equipamento não faz busca ativa de usuárias. No entanto, todas as mulheres que buscam o serviço são atendidas. O desligamento do serviço é feito somente no momento em que a atendida reencontra sua autonomia, segurança pessoal e autoestima, após todo o processo psicoterapêutico e acompanhamento da equipe multidisciplinar.
As intervenções com as mulheres são direcionadas para o resgate da autoestima, autonomia e autodeterminação, além do acesso a direitos e retificações das violações vividas. O trabalho contempla o acompanhamento por meio de atendimento individual e/ou em grupo, visitas domiciliares, encaminhamentos e monitoramentos adequados às intervenções planejadas e pactuadas com cada mulher atendida.”