Por Mônica Bergamo / folha de S. Paulo
Xuxa, 54, que em 1988 estrelou o filme “Super Xuxa contra o Baixo Astral”, visto por 2,8 milhões de pessoas, luta agora para manter a alegria que sempre foi a sua característica principal.
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Há um ano, a filha, Sasha, 19, se mudou para Nova York. Em março, Xuxa perdeu o pai, Luiz Floriano Meneghel. A mãe, dona Alda Meneghel, 80, sofrede Parkinson. Se alimenta por sonda, “não anda, não fala”, diz Xuxa, que sempre declarou o enorme amor que sente por ela.
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No campo profissional, trocou a TV Globo, onde estava fora do ar, pela TV Record. Na última terça (22), anunciou o fechamento da fundação que leva seu nome e que, por 29 anos, atendeu crianças carentes. “A situação do país não colaborou”, disse ela ao repórter João Carneiro, a quem concedeu a seguinte entrevista:
A CARREIRA
Eu saí [da Globo] repetindo uma frase que teve muita repercussão. Não devia ter feito isso. Falei: “Agora vou ser mais eu”. É porque eu passei um momento na Globo onde eu podia fazer tudo. Depois veio um momento em que nem tudo eu podia fazer. Depois, outro em que era assim: “Olha, agora a televisão mudou e vocês só vão fazer o que a gente achar que vocês têm que fazer”.
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As pessoas entenderam mal, achando que eu tava desdenhando da Globo. De maneira nenhuma. Nunca. Aliás, eu não gosto que as pessoas falem mal da Globo. Sabe quando, tipo assim, você pode até falar alguma coisa mas não admite que ninguém fale? Eu sou meio assim com a Globo.
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Agora, verdade seja dita: eu tô na Record e a única pergunta que eles fazem pra mim é: “Cê tá feliz?”. E a coisa que eu mais quero é ver eles felizes. Tô [feliz], ‘pá carácoles’! Só que eu queria estar um pouco mais, quando eu conseguir dar um pouco mais pra eles, entendeu?
A MÃE
[Minha mãe] não tá muito bem não, infelizmente. Ela tá no último estágio do Parkinson. Ela não se comunica mais com a gente, não mexe mais nem um dedo. Ela tá presa no corpo. [O Parkinson] vai fazendo com que alguns órgãos parem de funcionar. Então parou o estômago, ela se alimenta por sonda, não anda, não fala. Vai diminuindo tudo e ela vai ficando presa dentro desse corpo, como num casulo.
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Eu e quase todos os médicos acreditamos que minha mãe ainda tá ali porque ela viu o meu sofrimento e não quer me deixar. Então ela meio que briga pra não ir embora.
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Eu já tô pedindo pra que ela Sofrer, obviamente, ela sofre com essa porcaria de doença, mas eu não quero vê-la sentindo dor. E eu não conseguia verbalizar isso.
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Se você me entrevistasse seis anos atrás, eu ia dizer: “Eu não quero a minha mãe longe de mim. Eu preciso dela. Nem que ela vire uma casquinha, eu quero a casquinha ali do lado”. Hoje eu não quero essa casquinha sofrendo do meu lado. Do jeito que eu amo ela, eu não posso vê-la desse jeito, entendeu?
A FILHA
Faz um ano [desde que a filha, Sasha, se mudou pra Nova York para estudar]. Um ano já… [Abaixando a voz]. É horrível [sussurrando]. Não, mas graças a Deus a gente tá se vendo bastante.
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Eu achei que ia ser bem pior, mas eu reencontrei o Ju [o namorado, Junno Andrade]. Ele veio no momento em que minha mãe piorou e a Sasha tava já com essa ideia de “vou viajar, vou viajar”. Ele deu um alento pro meu coração.
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Eu sempre achei que não precisava de nada nem de ninguém, que eu me bastava. Se estivesse sozinha, eu estaria aí pelos cantos, sofrendo. Sem a minha filha, naquela casa, com a minha mãe do jeito que tá ia ser barra, viu?
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E eu me vejo bem. Me vejo entendendo que o momento da minha mãe tá chegando, que minha filha tá melhor lá. Eu não teria esse olhar e essa maneira de ver a vida se não tivesse a força do Ju.
PARTIDA
[Junno toca um áudio de Sasha no viva voz do celular: “Mãe, só pra avisar que tô no cinema, tá? Te amo, beijo!”] To-do dia [falo com Sasha]. É de manhã, à tarde e à noite, por Facetime, Skype. E ela manda recado: “Mãe, bom dia, acordei. Um beijo, te amo.”
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Ela não se vê agora longe de “Manhattan” [exagerando no sotaque americano nasalado]. E eu a vejo feliz por poder vir [para o Brasil] também, como ela curte. Mas não vejo a minha filha mais morando aqui.
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Eu não penso de maneira nenhuma em deixar a minha mãe. Mas penso [em mudar do Brasil]. Num futuro próximo, se Deus quiser. Ficar onde ela [Sasha] for. De repente em uma cidadezinha perto, em um bairro perto dela.
O PAI
[Meu pai morreu] duas semanas antes do meu aniversário [em março deste ano]. Quando ele se separou da minha mãe, foi de uma maneira meio esquisita, porque houve uma traição. Eu fiquei sete anos sem falar com ele.
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Depois eu voltei a falar com ele, mas foi difícil voltar. Também era longe da relação que eu tenho com a minha mãe. Minha mãe sempre foi pai, mãe, irmã, amiga. Tudo eu tinha nela.
OS ABUSOS
[A pedofilia] é uma praga, uma doença. Isso não vai acabar. A primeira vez que aconteceu comigo eu era muito, muito nova. Devia ter entre quatro e cinco anos. E eu acordei falando que alguém tinha feito xixi na minha boca. E a minha mãe, todo mundo: “Você sonhou, imagina!”.
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Eu não sei quem era [o abusador], o que aconteceu, como aconteceu. Queria muito descobrir, fazer hipnose, regressão. Não vai adiantar nada, seria só pra saber.
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Me vem uma coisa de cheiro, a pessoa tinha cheiro de bebida. E me lembro de alguma coisa com barba. O resto eu não me lembro.
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Quando eu era pequena, eu imaginava que a culpada era sempre eu. Porque eu acabava chamando essas coisas pra perto de mim.
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E hoje eu tenho alguns costumes. Tomo dois, três banhos por dia. Tenho coisas truncadas aí, mal resolvidas.
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As pessoas não querem ouvir as crianças [vítimas de abuso]. Elas não têm voz. Já é difícil e, quando falam, perguntam: “Tem certeza disso? Realmente aconteceu? O que você fez pra isso acontecer?”
DEUS
Não sou daquelas católicas de ir todo domingo na igreja. Eu falo com Deus nos lugares mais absurdos. Tipo banheiro, até. Pra mim não tem essa coisa de “vou falar com Deus só na igreja”. Eu bato um papo legal com Ele.
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Sempre agradeço. Sempre, sempre, sempre, sempre, sempre. Sempre, sempre. Isso eu faço assim re-li-gi-o-sa-men-te, sabe?
AS CRIANÇAS
Comecei a trabalhar pra criança sem saber absolutamente nada. Comecei a descobrir esse mundinho e hoje posso bater um papo com você sobre idade, sobre o que as crianças gostam, o que elas não gostam. Aprendi muito.
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Tenho tanto respeito por essas cabecinhas! E eu vejo como as pessoas não valorizam. Não entendem. Não respeitam. Não aceitam. E não tão nem aí.
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Crianças e velhos. O futuro e o passado tá tudo truncado, entendeu? As pessoas não vêem, não ouvem e não querem saber.